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sexta-feira, 10 de julho de 2020

À espera da 2.ª vinda

"Na cabeça de um adepto do Benfica, por estes dias, as coisas dividir-se-ão em níveis. E o jogo contra o Famalicão, desta quinta-feira, não seria, de todo, o nível mais preenchido por emoções carregadas. Ainda assim, não se enganem, as incidências do mesmo poderiam despertar o primal self de cada um dos encarnados que viu a sua equipa ficar a 8 pontos do, agora, mais que provável campeão nacional. Assim, a aceitação (ou o funeral, como quisermos) foi-se fazendo bem antes desta visita aos famalicenses, e isso poderá ter até criado um desapego que fez a equipa não andar aos trambolhões, ou pagar bilhete na montanha-russa que foram os últimos jogos de Bruno Lage ao comando da equipa. Porém, há hábitos que não se perdem facilmente, e mesmo com a ordem de juntar linhas e forçar menos o jogo partido da era Lage (que tão bons e maus resultados deu) o SL Benfica não conseguiu, pela enésima vez, segurar uma vantagem.
Este é, já o dissemos, um Benfica à prazo. Um Benfica à espera da 2.ª vinda de Jorge Jesus, o Senhor que catapultou os resultados medíocres (em comparação com o maior rival) e que criou aspectos positivos nos quais ainda hoje o Benfica se apoia. E se criou aspectos positivos que ainda perduram, também os negativos (que nunca foram evoluídos no Seixal) ainda por lá andam. Falamos de um sonho, ou se quisermos em castelhano, numa ilusión que em épocas de glória despedia treinadores por não ganharem a Taça dos Campeões Europeus. Jesus, com toda a positividade que imprimiu, reacendeu a ilusão, o desejo, de que o Benfica poderia não só deixar para trás o FC Porto dentro de portas, como poderia chegar de novo ao estatuto de preencher o vazio europeu deixado pela entrada do novo milénio (ou antes disso, até).
E esse é um fantasma que persegue os benfiquistas que não descansam enquanto a realidade não validar essa ideia de que o lugar do clube é ao lado dos tubarões da Europa. E se é assim ou não, não importará discutir, mas o que é certo é que essa é a ideia que nivela por baixo Rui Vitória, Bruno Lage e o próprio Jorge Jesus. A todos eles agradecerão pelas Ligas conquistadas, mas a todos eles lembrarão que as participações na Champions não foram do agrado do Tribunal, e que o objectivo de sossegar esse monstro encarnado não está conseguido. E isso poderia, ainda assim, ser atenuado por ganhar cada Liga que se disputasse e se criasse uma hegemonia à Olympiakos, ou à PSG. Objectivo que nesta época se vê, novamente, gorado por um FC Porto que, mesmo mais fraco que noutras épocas, nunca se deixa vergar ao ponto de entregar de bandeja algo que seja ao maior rival.
Tudo isto cria um rácio negativo na expectativa/realidade dos adeptos do SL Benfica que, por norma e por desejo, formalizaram uma hegemonia mental que reduziria os adversários a cinzas e onde as goleadas dizimariam também os maiores opositores, catapultando assim as águias na Europa. E quando hoje, nove de Julho de 2020, um jogador do Benfica toca na bola com a possibilidade de ficar a ver o FC Porto ser, pela segunda vez em três anos, campeão, quando a Liga dos Campeões ficou novamente pela fase-de-grupos, e quando a Liga Europa se foi pela mesma fórmula, é óbvio que esse jogador carrega todo esse peso, toda essa tensão, toda a frustração que uma expectativa irreal e ilusória (a de que o Benfica tem de ser Rei e Senhor do futebol em Portugal e na Europa) e os acidentes acontecem.
Ao invés, bem mais fácil seria sossegar expectativas e não alimentá-las com discursos empolados, egocêntricos, que apontam a metas que poucos clubes europeus podem prometer. De nada adianta que um treinador, seja ele qual for, faça discurso e desejo de jogo-a-jogo, e a estrutura, volta e meia, garanta estar dez anos à frente ou ambicionar publicamente chegar a ser maior que o Real Madrid. Isto enquanto o maior rival, sem nunca se referir a tais desejos (salvo a excepção de Benni McCarthy que foi como uma profecia à entrada da época 2003/2004), nunca ninguém do FC Porto veio a terreiro bradar superioridade inequívoca sobre os rivais, ou garantir títulos europeus. E talvez pelo que, silenciosamente, foi conquistado pelos dragões, o FC Porto merecesse mais respeito e atenção do que alguém que ia, inevitavelmente, deitar a toalha e ficar a olhar para o Benfica.
Um género de sobranceria que, aí sim, encontrou paralelo a Norte quando se testou a teoria de que as estruturas se sobrepõem aos treinadores e que qualquer vassoura dá jogador e treinador. E só uns anos a seco fizeram voltar a ideia de que as coisas se complementam. Talvez por isso volte agora o Benfica à estaca 2009/2010 para tentar uma injecção de moral em tempos de aflição. E terá para isso, pelo menos, dois adversários gigantes: o FC Porto (ainda estamos para saber o que pode render o Sporting de Rúben Amorim) e a expectativa de que desta vez Jesus tem de colocar o clube onde os adeptos acham que ele deve estar. Dois adversários de peso, portanto.
Mais a mais porque olhando para este jogo em Vila Nova de Famalicão, e olhando para os jogos anteriores com Bruno Lage, passando por Rui Vitória e chegando à 1.ª vinda de JJ, a mesma crítica andará presente em qualquer etapa de montanha que o Benfica tenha que ter enfrentado. Falta de controle do jogo, recuo excessivo, muito protagonismo do adversário, meio-campo em dificuldades, erros na saída-de-bola. A isso juntem-lhe a qualidade dos plantéis a desvalorizar época após época e não precisam de adivinhar porque esta não foi uma crónica de dizer que ao minuto X o Benfica marcou, ao minuto Y sofreu o golo do empate, e pelo meio jogou em 442. Não. Esta não foi uma crónica dessas, porque o filme é o mesmo há várias épocas. Com Jesus, sem Jesus, com Seixal, sem Seixal. Talvez as coisas tenham o seu tempo. E talvez os adversários também joguem. E talvez as expectativas tenham que baixar para que os problemas não sejam sempre bons treinadores que não são milagreiros.

Famalicão-Benfica, 1-1 (Guga 84′; Pizzi 37′)"

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