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quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O VAR e o confessionário

"É sempre de louvar quando um árbitro (ou videoárbitro, no caso) dá a cara pelo seu próprio erro. Mas não deixa de ficar a questão: porque é que às vezes as explicações chegam, e noutros casos prevalece o silêncio?
Era mais ou menos evidente que a introdução do VAR na Liga Portuguesa ia trazer consigo uma série de polémicas - talvez fosse inevitável. Num país/meio às vezes demasiado sedento em encontrar problemas onde eles nem sempre existem, uma novidade tão significativa dificilmente sobreviveria a uma boa especulação.
Tenho para mim que o sistema foi amplamente positivo: evitou erros importantes, talvez tenha mascarado aqui e ali alguma limitação de um árbitro ou outro, mas, acima de tudo, minimizou a margem de erro. Margem de erro, que, num desporto de altíssima competição, e com as limitações humanas de um árbitro, é e será sempre compreensível. Eu próprio fui árbitro vários anos de outra modalidade (natação, já agora), e compreendo as dificuldades da missão.
No entanto, era também expectável que o VAR trouxesse consigo a ideia de que, a partir de agora, era tudo infalível. Não é, e isso é compreensível, porque o erro humano faz parte da natureza das coisas (é cliché, mas não deixa de ser uma verdade incontestável). Não condeno nem ataco isso. O que me parece incompreensível é a diferente reacção ao erro, quando ele acontece. Porque pode criar um sentimento de perplexidade - explica-se a uns, pede-se desculpa a outros, e ignora-se outros tantos? Passo a explicar.
Este fim-de-semana, no jogo entre Famalicão e Santa Clara, existe um erro objectivo: o único golo da equipa dos Açores surge de penalty, num lance em que existe fora-de-jogo. O videoárbitro Cláudio Pereira assumiu o erro: reconheceu que, na análise do lance, confundiu os jogadores. É evidente que não é bom, mas acho positivo o próprio “chegar-se à frente” e dar a cara pela situação.
Mas a partir daí, é inevitável perguntar: mas qual é o princípio? Quando é que um árbitro deve vir falar sobre um erro? Pensa-se caso a caso e logo se vê? Decide-se consoante os clubes envolvidos ou o ruído que fizerem? É o próprio árbitro que decide individualmente? Existiram seguramente outros casos igualmente complexos, e nem sempre foi possível ouvir uma explicação tão franca como a de Cláudio Pereira. Chegou até a ser partilhado publicamente o registo áudio da comunicação entre um árbitro principal e o videoárbitro, algo que, se a memória não me falha, nunca mais voltou a acontecer. Porquê?
Por uma questão de coerência, acho que devia existir uma linha mais definida. E também porque esta postura quase casuística levará certamente os clubes a encetar um discurso na linha de “então ao clube X explicaram e esclareceram, e nós ficamos agora sem saber também o que se passou no nosso caso?”. Repito, parece-me totalmente positivo que este tipo de explicação chegue ao público. Mas não consigo compreender o critério: às vezes sim, às vezes não.
Seria muito interessante, até do ponto de vista de uma maior compreensão, que as comunicações entre árbitro e videoárbitro fossem sempre ouvidas - quanto mais não seja pelos telespectadores, mais tarde. Mas atenção, eu próprio reconheço que isto é uma ideia quase utópica. Lá está, pela necessidade de uma boa especulação… Infelizmente. Mas concordem comigo: seria fantástico, não seria?

PS - compreender o erro é importante, mas não significa que se possa aceitar tudo. Recordo que, há cerca de dois anos, um jogador bastante experiente de um clube da Primeira Liga desabafou comigo: «às vezes é muito frustrante, porque se eu falhar um golo sou criticado pelos adeptos e pela imprensa e tenho que aguentar, e os árbitros queixam-se imediatamente de qualquer crítica, não sabem lidar e não sabem assumir.» Ou seja, é importante compreender o erro, mas também é necessário reconhecer que o erro - ainda que admissível - é sempre um ponto negativo que não deve ser ignorado sem qualquer tipo de consequência."

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