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terça-feira, 6 de agosto de 2019

O Bananeira não quis beber champanhe...

"Em 1933: o Benfica bateu o Belenenses e tornou-se campeão de Lisboa. A festa foi de arromba. Até às tantas. Pelo meio dela, um rapaz, chefe de guarda-fios da Companhia dos Telefones, realizado, feliz, absolutamente apaixonado pelo clube em que jogava: João de Oliveira.

O Benfica acabara de bater o Belenenses e era o campeão de Lisboa de 1933. Pois, agora já não há Campeonatos de Lisboa. Ao tempo exacerbavam rivalidades.
Houve um homem em destaque nesse jogo: chamava-se João Oliveira. Não quis beber champanhe para comemorar. 'Sou um atleta. Isso faz-me mal!' Atleta exemplar.
Às vezes vou assim, um bocado ao deus-dará, à procura de curiosidade da história do futebol. De repente, deparo-me com frases que vale bem a pena serem recordadas. Reparem: 'São assim os vermelhos! São assim aqueles que se acolhem sob as asas protectoras da Grande Águia, símbolo indestrutível desse clube que é de todos os portugueses: o Sport Lisboa e Benfica!'
Era meia-noite em Lisboa.
Festejava-se o título. Festa de arromba.
'Entrechocavam-se os vivas, as saudações; enrouqueciam-se gargantas, algumas mesmo só nos dando sons ininteligíveis. Mas que importava? Não estavam todos ali para saudar, para aclamar, para glorificar, enfim, o novo voo altaneiro da indómita águia que nunca esmorece, que nunca treme, sequer, a qualquer ataque dos seus inimigos?'
Palavras cheias de sentimentos.
Discursos e mais discursos; conversas e mais conversas.
No meio de todos, humilde, sem dar nas vistas, um rapaz que era chefe de guarda-fios da Companhia dos Telefones. Tinha uma alcunha: o Bananeira. O nome, já o disse de início, João de Oliveira.

Homens de uma alcunha
'É fácil explicar a alcunha que me deram', contava Bananeira. 'O meu pai era negociante de bananas. Todas as semanas chegavam dos Açores grandes carregamentos. Depois de fornecer os mercados também dava as suas voltas pelas lojas da cidade. Depois ficou Bananeira para cá, Bananeira para lá, eu e o meu irmão fomos sempre Bananeiras. Sem bananas'.
No auge da festa, Oliveira dava uma entrevista à inesquecível Stadium, uma revista que andava cinquenta anos à frente do seu tempo.
Uma hora de manhã: 'Tempo de ir para o descanso', dizia o Bananeira.
Nascido no dia 22 de Maio de 1904, mesmo ano em que nasceu o Benfica. Natural de Matados, freguesia de Chãs de Tavares, Mangualde, distrito de Viseu. Veio ainda bebé para Lisboa, com os pais. Jogou 15 anos consecutivos no Benfica. Mas começou no Santana FC. Um grupo daqueles modestos, que a capital alberga com um carinho especial. Era avançado-centro. Já era sócio do Benfica, ia assistir aos jogos. Depois foi para o Cascalheira. Finalmente, a camisola vermelha da sua predilecção.
'Comecei por interior-direito', ia contando o Bananeira. 'Em seguida fiz o lugar de interior-esquerdo. Finalmente, uma época inteira nas segundas-categorias e médio-centro. Voltei à equipa de honra. E meteram-me à defesa. Dei-me bem. Tão bem, que cheguei a internacional, jogando por Portugal contra a Itália, no Porto'.
João de Oliveira, um homem feliz: 'Ó meu amigo, não há palavras para poder transmitir o que me vai na alma. Este título ainda parece um sonho. Para mim só há o Benfica. Não posso passar sem este clube. É a minha segunda família. No campo desportivo, quando me bato, só tenho uma preocupação: honrar com todas as minhas forças a bandeira encarnada e branca. O meu querido Benfica!'
As lágrimas vinham-lhe aos olhos enquanto, a pouco e pouco, a esta se dispensava. 'Não esquecer nunca o nosso treinador, o tenente-coronel Ribeiro dos Reis. Ele soube como ninguém conduzir-nos à vitória!'
Depois saiu para a rua, tomou o caminho do Largo de São Domingos.
'Adeus! Adeus! Preciso de descansar. E vá lá saber-se como vou descansar com o coração a bater assim de alegria...'
O Bananeira descia a rua. Sóbrio como sempre. Mas trôpego de emoção..."

Afonso de Melo, in O Benfica

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