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quinta-feira, 7 de março de 2019

Sabe quem é? Em Tomar, o drama... - Simões

"Quando automóvel custava 100 contos, Boca dava 7500 pelo seu passe; Morreu-lhe o filho, fez golo ao minuto 1

1. O pai andava pela América como mineiro, quando sentiu que amealhara dinheiro bastante regressou a Portugal e abriu uma casa de pasto em Corroios. Em finais de 1943, nasceu ele. Tinha 14 anos quando o pai morreu de súbito. Dirigentes do Almada lançaram-se a casa a pedir à mãe que o deixasse (e a Aníbal, o irmão gémeo) jogar pelo seu clube. Disse-lhe para ver se assim deixariam de andar sorumbáticos com a desgraça que se lhe abatera.
2. Aníbal não aceitou o desafio (haveria, depois, de partir para o Brasil, tornando-se negociante de livros) - ele sim. Empregou-se numa firma de máquinas de escrever, ganhando 20 escudos por dia. Notícia do seu talento chegou ao Belenenses. Garantiram-lhe 15 escudos por treino - a transferência não se fez porque o Almada exigiu 50 contos pela carta, a resposta foi: «isso é de mais por um garoto de 15 anos».
3. Entrou o Sporting na corrida. A ele prometeram-lhe 750 escudos por mês. A época ainda não acabara, acordou-se que continuaria a jogar pelo Almada, treinando-se, porém, em Alvalade. Despediu-se da Luso-Americana e indo Fernando Caiado ao Montijo espiolhar o Jorge e o Moreira, encantou-se com ele. Emissário do Benfica correu a sua casa com cheque de 5000 escudos para que assinasse o que não fizera no Sporting: contrato. Os 5 contos entregou-os à mãe - e assinou. O Almada recebeu os 50 contos que desejava - e ele ficou a ganhar 1000 escudos por mês (que hoje seriam menos de 370 euros).
4. Ainda pelos 17 anos estreou-se pela primeira equipa do Benfica no Torneio Relâmpago, no Jamor - contra o Belenenses (um golo marcou). Pedroto chamou-o à selecção que saiu de Viena em terceiro lugar no Torneio de Juniores da UEFA - e na que, no ano seguinte, o ganhou em Lisboa.
5. Levaram-no a desafio de reservas na Marinha Grande (e ao Eusébio). No final, apareceu dirigente a dizer que tinha de correr para o Lar, fazer as malas e apanhar o primeiro avião para Montevideu (e o Eusébio). O Benfica acabara de perder com o Peñarol por 5-0 - com ele (e Eusébio) em campo perdeu o desempate mas já só por 2-1.
6. No regresso de Montevideu, Guttmann voltou a apostar em Cavém a extremo esquerdo. Com o Beira-Mar, à jornada 12, à meia hora havia 5 golos, Cavém fez o 3-2 - e lesionou-se. No jogo seguinte, contra o Sporting, titular foi ele - mas não onde se esperava: «José Augusto deu volta ao Guttmann: convencendo-o de que não se dava lá muito bem com Hilário, foi para a esquerda, joguei eu à direita». Aos 45 minutos o Sporting vencia por 3-1, acabou 3-3 - a partir daí, à esquerda passou a ser sua: com ele cada vez mais frenético e sublime.
7. Ainda não lhe chamavam o Rato Mickey («por me meter em becos sem saída e sair de lá, veloz e repentista como ele») mas era já intocável quando, no 5-3 ao Real se tornou o mais jovem vencedor da Taça dos Campeões da história. Meses após, Hermann Eppenhoff, treinador do Dortmund, não tinha dúvidas: «É o melhor extremo esquerdo da Europa». Foi então que lhe subiram o ordenado para 2500 escudos, juntando-lhe 50 contos de luvas por ano (que agora não equivaleriam sequer a 18500 euros).
8. Cada vez em maior fulgor (e após uma final de Taça dos Campeões - a que perdeu com o AC Milan), Fezas Vital subiu-lhe luvas para 250 contos. Após brilharete no Mundial de 66 (e outra final da Taça dos Campeões - a que perdera com o Inter) em jogo com o Boca Juniors, em São Francisco, fez gato e sapato dos três defesas direitos que usaram para o travar - e Rattin, a sua estrela, atirou ao seu presidente: «Esse pequenito tens de comprá-lo» - e o Benfica recusou os 7500 contos (mais de 2,5 milhões de euros agora) que ofereceram pelo seu passe.
9. Do Benfica sairia, entre mais, com 10 campeonatos e 5 Taças de Portugal. E sim: desses títulos nenhum teve em drama e lágrimas escondidas o que teve o de 1971/1972 - o que se passou por Tomar (a 12 de Março de 1972): na véspera nascera-lhe, depois de três filhas, um filho, 24 horas após, morreu. A mulher, ao telefone, murmurou-lhe, destroçada: «Se querer joga que já nada há a fazer». Ele jogou, fez golo ao minuto 1. Acabou 1-0 - e só o jogou (de coração desfeito) porque Eusébio e Torres estavam lesionados (e havia o sonho do recorde do campeonato sem derrotas a arder-lhes...).

António Simões, in A Bola

3 comentários:

  1. Isto é um texto sobre ele próprio????

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    1. Não é! Mas que parece... parece!

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    2. O autor do texto é o António Simões, jornalista d'A Bola, adepto dos Corruptos... Supostamente é o historiador da redacção d'A Bola.

      Abraços

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