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sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Um movimento Olímpico a caminho de lado nenhum

"José Manuel Leandro ex presidente da Federação Portuguesa de Vela, num texto publicado no Jornal A Bola (on line) (2017-05-11), refere que a Assembleia Plenária do Comité Olímpico de Portugal (COP), em Setembro de 2016, sob proposta da Comissão Executiva, aprovou um conjunto de alterações aos seus Estatutos. Ao tempo, diz o então presidente da Federação Portuguesa de Vela, a sua federação foi a única associada presente na referida Assembleia a apresentar “propostas concretas, formais e atempadas” no sentido de contribuir para a melhoria do documento. Todavia, foram todas, pronta e veementemente, recusadas pelo presidente do COP. Foi obra. E foi obra na medida em que o presidente do COP, ao cabo de quatro anos de mandato e depois do desastre que foi a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, perdeu uma excelente oportunidade para, ao contrários dos seus antecessores, através de uma ampla participação nacional, desencadear uma revisão dos estatutos da instituição de acordo com as novas realidades do desporto moderno iniciando a transformação de uma organização tradicionalmente constituída por gente que está convencida que tem “sangue azul”, numa organização, na sua vocação e missão, verdadeiramente partilhada pelos portugueses.
O problema é que perante esta incapacidade atávica de reajustar o MO aos novos tempos tem vindo, de há vários anos a esta parte, a colocar o Olimpismo, tanto a nível internacional quanto nos mais diversos países, numa profunda crise. Do comercialismo à corrupção, passando pelo flagelo do doping são diversos os sintomas que o actual presidente do Comité Olímpico Internacional (COI) pretende debelar com uma terapia de choque de quarenta medidas unanimemente aprovadas na 127ª Sessão do COI realizada no Mónaco em 8 e 9 de Dezembro de 2014. Com a receita (Agenda 2020), Thomas Bach, deseja estabelecer um “strategic roadmap” a fim de orientar o desenvolvimento futuro do MO internacional. Infelizmente, se o tal “mapa estratégico” está a conduzir o MO para algum lado é para lado nenhum. Porque, no que diz respeito aos princípios e aos valores que a instituição deve preservar e promover, a situação tem vindo a piorar significativamente como se pode verificar pelas acusações de corrupção que estão a atingir os dirigentes desportivos dos mais diversos países do Mundo, entre os quais o membro do COI acabado de ser afastado da presidência do Comité Olímpico Brasileiro, de seu nome Arthur Nuzman que, actualmente, ocupa a “pole position” da corrida olímpica corrupção.
Mas, então, porque é que a Agenda (2020) do COI não está a resolver nem vai resolver nenhum problema significativo dos que, a uma escala global, verdadeiramente, impedem o desenvolvimento do MO na senda do futuro?
A resposta é simples. Porque a generalidade dos dirigentes do MO, uma vez eleitos, esquecem-se dos mais fundamentais princípios de ordem democrática. E, entre as 40 medidas da Agenda 2020, algumas delas completamente inúteis, por estranho que possa parecer, nenhuma tem como objectivo promover a cultura democrática não só no seio do COI como no dos mais diversos CONs por esse mundo fora. Como se pode verificar no documento do COI intitulado “Olympic Agenda 2020 - 20+20 Recommendations” a palavra democracia não é sequer mencionada uma única vez. Todavia, estou em crer que o factor significante que pode tirar o MO do estado de profunda crise em que se encontra é, precisamente, a institucionalização de uma assumida vivência democrática interna e uma abertura externa à sociedade tanto do COI quanto dos CONs. Se para Albert Camus o suicídio era a única questão filosófica, no que diz respeito ao MO, é a democracia a única questão filosófica na medida em que o que está em causa é o suicídio do próprio olimpismo, não por culpa dos atletas, não por culpa dos técnicos, mas por culpa dos dirigentes que não estão a ser minimamente capazes de entender o Olimpismo como uma filosofia de vida que deve colocar o desporto ao serviço da humanidade.
Trata-se, assim, de saber se o MO, tanto a nível internacional quanto nacional, tem capacidade para se reformar a partir de dentro. Infelizmente, hoje, estou convencido que não. E, se, ainda tinha algumas esperanças de que isso fosso possível, a actuação do actual presidente do COP tratou de acabar com elas.
Hoje, estou convicto que o MO só será reformado através de uma intervenção externa na medida em que estamos perante um sistema autocrático com lideranças de características napoleónicas ao estilo “quero, posso e mando” que, à custa do dinheiro dos contribuintes, consciente ou inconscientemente, actuam no sentido de manterem o “status quo”. Ao fazê-lo, estão a conduzir o Olimpismo no caminho dos dinossauros.
Assim, teria sido de fundamental importância que a Agenda 2020 do COI tivesse previsto um programa, conducente à democratização interna do COI bem como à dos diversos CONs, capaz de instituir um conjunto de regras democráticas a serem respeitadas nos seus estatutos. Porque, não se pode admitir que presidentes dos CONs dirijam as organizações que não lideram mas chefiam ao estilo "magister dixit” e se mantenham agarrados ao poder dezenas de anos sem que nada aconteça e sem darem satisfações a ninguém. E fazem-no no mais completo desrespeito pela democracia que é um dos valores e princípios essenciais, universais e indivisíveis das Nações Unidas que está estreitamente ligada ao Estado de direito, ao exercício dos direitos humanos, e ao pleno usufruto das liberdades fundamentais. O COI não se pode sujeitar a ser criticado como aconteceu em 2009 durante a 121ª Sessão quando, perante a vitória do Rio de Janeiro sobre a cidade de Chicago, Barack Obama, presidente do EUA, afirmou que “…as decisões do COI são similares às da FIFA: um pouco manipuladas" porque, segundo ele, considerando "… todos os critérios objectivos, a candidatura americana era a melhor". O COI tem de ser uma organização acima de qualquer suspeita. Infelizmente, o que se está a verificar é que o COI não é uma organização acima de qualquer suspeita. Para que o COI comece a ser uma organização acima de qualquer suspeita é não só necessário como urgente uma revisão séria da Carta Olímpica no sentido que a democratizar. Do mesmo modo, os CONs, pelo sistema democrático a que devem ser sujeitos, têm de funcionar acima de qualquer suspeita. Porque não se pode aceitar que muitos CONs funcionem em “roda livre”, à custa do dinheiro dos contribuintes, através de processos de gestão autocráticos bem como de sistemas eleitorais absolutamente kafekianos a fim de que as oligarquias, que se protegem umas às outras, continuem, anos a fio, instaladas no poder. Ora, teria sido fundamental que a Agenda 2020 tivesse cuidado de instituir um programa de democratização dos estatutos dos CONs.
A revisão dos estatutos do COP, ao longo dos seus mais de cem anos de vida, por incapacidade ou falta de interesse dos seus dirigentes, tem sido orientada mais por objectivos de ordem de interesses de conjuntura do que, propriamente, por uma visão estratégica para o MO nacional que, necessariamente, teria de passar por uma participação alargada à sociedade portuguesa, envolvendo as várias entidades da vida nacional, quer directa, quer indirectamente, interessadas no processo de desenvolvimento do desporto do qual o MO faz parte. Pelo contrário, os estatutos, num total de 46 artigos, alguns deles de grande complexidade, foram aprovados sem participação, sem discussão e numa Assembleia Plenária que durou cerca de duas horas. Em consequência a imagem que passou foi a de uma espécie de “missa cantada” uma vez que a dita Assembleia foi presidida pelo presidente do COP que, simultaneamente, presidia à Comissão Executiva e, em consequência, também tinha sido o principal responsável pela proposta em aprovação. Em resultado desta visão minimalista da prática democrática, que, infelizmente, cada vez mais, está a prejudicar a cultura democrática que devia presidir à vida desportiva do País, aquilo que mudou, sem fundamentação, sem lógica e sem sentido, só vai fazer com que tudo continue na mesma. É uma opção estratégica do tipo “mais do mesmo” com a qual estou profundamente em desacordo. O MO em Portugal merece mais, muito mais.
Assim, só por ingenuidade José Leandro podia pensar que as propostas por si apresentadas que, entre outras, vamos analisar nos próximos textos, podiam ter alguma viabilidade de serem consideradas e discutidas desde logo porque, perante três resultados absolutamente miseráveis nas últimas três edições dos Jogos Olímpicos, os presidentes das Federações Desportivas, encontram-se tomados pela mais confrangedora ausência de espírito crítico e os que não se encontram não estão para se incomodarem. Entretanto, o MO nacional, apesar de toda a cosmética de marketing sustentada em milhares de selfies, encontra-se numa profunda crise que vai, novamente, explodir em Tóquio no ano de 2020. Quer dizer, estamos, de há mais de doze anos a esta parte, a assistir a sucessivos Programas de Preparação Olímpica que estão a conduzir o desporto nacional para lado nenhum."

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