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segunda-feira, 11 de julho de 2016

Perguntei à noiva se podemos chamar Éderzito ao segundo filho

"Aqui se reconta o que aconteceu no França-Portugal que deu o título à equipa das quinas
Bom, tenho muito pouco tempo para vos falar sobre o que se passou hoje. Como seria de esperar, acabei de perguntar à minha futura mulher se podemos chamar Éderzito ao nosso segundo filho, colocando em risco o nosso noivado. Isso e tenho ali mais 27 minis no frigorífico que não se vão beber sozinhas. Posso vir a tornar-me um pai solteiro, mas uma coisa já ninguém me tira: A TRAÇA É NOSSA.

Sem vos roubar demasiado tempo: ainda o jogo não tinha começado e já o Stade de France tinha sido atacado por uma praga de traças e uma inundação de azeite provocada pela música de David Guetta. Temia-se o pior, e assim foi.

Num jogo até então sem grande história, com Portugal moderadamente borrado e a França a comportar-se como favorita, um filho de uma meretriz, primeiro nome Dimitri, resolve espetar um joelho no Cristiano que mais pareceu um pontapé nas partes podengas de um país inteiro, que instantes depois cairia prostrado aos pés da República Francesa: Liberté, Egalité, Payet. Ronaldo fez uma cara de chorão que já tinha feito no Euro a propósito de situações menos importantes, mas desta vez não se parecia dever a uma jogada mal interpretada por Nani.

Não. Desta vez todos chorámos com a lesão que obrigaria Ronaldo a abandonar o campo. Dirigimos mais alguns nomes às mães dos franceses entre soluços, mas estão a ver aquele tipo de soluço quando um gajo já bebeu bastante que transita involuntariamente para arroto do almoço e quase nos faz vomitar? Esse tipo de soluços. Complicado. Porém, num assomo de consciência colectiva, lembrámo-nos que teríamos de crescer com esta adversidade e que aquilo que não nos mata torna-nos mais fortes. Estou a brincar. Na verdade pensámos todos que já tínhamos ido com o c”#$%&.

O jogo prossegue a ritmo acelerado, que é como quem diz, vamos lá encurtar a crónica que eu não estava a brincar em relação àquelas minis e ainda tenho de ir ao Parque Eduardo VII trepar aquela estátua do Cutileiro (isto dito assim parece uma piada extremamente sexual, e não no bom sentido). Mas dizia: entram mais alguns indivíduos em campo. Quaresma ocupa o lugar de Ronaldo, seguido por Moutinho no lugar de Adrien, até William ocupa o lugar de William, mas todos eles, por entre um ou outro lance menos bem conseguindo, foram safando como sabiam e podiam, numa obstinação que só poderia ser coroada com um empate no fim do tempo regulamentar, como se o adversário fosse mais ou menos indiferente.

Pouco para contar, então. Mais uma exibição austeritária da selecção portuguesa, que lentamente foi recuperando a sua e a nossa confiança, uma equipa de quem hoje aceitaríamos o congelamento de pensões, a extinção da ADSE, 50 horas na função pública, a corrupção total do estado, ou até Durão Barroso na Goldman Sachs, desde que isso nos garantisse uma vitória igual no mundial de 2018. O nosso antigo capitão Luís Figo disse tudo aos 43 minutos, com um bocejo de quem já só queria que chegasse o prolongamento. Só uma nota importante: ao longo de todo este entretanto, Rui Patrício foi-se mantendo entretido num divertido jogo-treino com a selecção francesa que, se aos 45 minutos já parecia destinado a coroá-lo como melhor em campo, atingiu os 90 com Rui Patrício como novo proprietário do Stade de France. Aquela merda ainda não era toda nossa, mas já era toda dele. Apenas deixou escapar uma bola, quase no final do jogo, mas Nossa Senhora faz uma excelente dobra a Pepe e desviou na direcção do poste. Tudo isto aconteceu logo após a melhor gravata realizada neste Europeu. Não se lembram? Claro que se lembram. Um pouco por todo o país indivíduos alcoolizados já treinam o nó à Quaresma nos seus amigos. Qual Windsor, qual quê. Como executar na íntegra umQuaresma knot? Simples. 1. Escolher uma pessoa. 2. Disputar um lance com essa pessoa. 3. Assim que a bola sair do seu alcance, agarrar o adversário pelo pescoço. 4. Manter a passada e apertar um pouco mais o nó. 5. Verificar níveis de incómodo do adversário. 6. Se o adversário vos parecer confortável, apertar um pouco mais. 6. Desatar o nó e dar uma palmadinha na cara do adversário como se a situação tivesse sido agradável para ambos. 7. Ser aclamado por um país inteiro.

Mais um prolongamento? A sério? Não tenho vida para isto. Será que, em caso de vitória, amanhã é feriado? Porque é que estes frappés nunca mantêm o vinho realmente fresco? Metade do país desloca-se à casa de banho a pensar nestes e em muitos outros temas, hesitando entre fazer apenas xixi ou aquele cocózinho que andava por ali a rondar desde que Sissoko fizera o primeiro sprint do jogo, até porque isto deve ir a penaltis. Acho que dá tempo. Ou será que acontece alguma coisa e não chego a tempo? Da outra vez o Abel Xavier borrou a pintura no prolongamento. Bem, pelo sim pelo não, fico-me pelo xixi e volto para a sala. Se isto correr mal digo que fomos roubados pelo árbitro e vou trocar de cuecas.

Não foi um prolongamento qualquer, na medida em que este nos roubou anos de vida e os devolveria logo depois. Raphael Guerreiro atirou uma bola à trave, os franceses continuaram a ameaçar uma repetição do que nos aconteceu em 2000. Mas o jogo já mudara há muito, designadamente ao minuto 79, com a entrada de Ibrahimovic, perdão, Éder. O nosso ponta-de-lança mal amado (uma espécie de pleonasmo) entrou em campo para fazer aquilo que geralmente se lhe pede mas nem sempre consegue executar. Hoje deixou tudo em campo, pôs a equipa a atacar novamente e veio de lá com uma taça, após um lance que, só de pensar e rever, acabou de justificar mais uma mini de pênalti. Um lance, aos 109 minutos, em que Éder não se liberta apenas dos adversários, mas também de todos os idiotas com ligação à internet que durante anos substituíram a sua cara nas fotografias por um cone. Nisto ajeita o esférico e defere um remate que ficará para a história como a mãe de todas as bofetadas de luva branca. É golo de Portugal. Faltam 10 minutos. Acabem com isto, pelo amor de Deus, Cristiano, Dolores. O jogo prossegue, festejam-se faltas cavadas no meio-campo como se fossem golos. Falta 1 minuto para terminar, já ninguém aguenta isto, vou buscar o champanhe porque isto já não foge. Enquanto isso, Quaresma faz um passe de letra porque Quaresma. 121 minutos, Pepe chuta a bola na direcção do aeroporto. Já lá vou ter.

O jogo acaba. O champanhe continua a ser uma bebida claramente sobrevalorizada, mas estava em promoção. Somos finalmente campeões europeus. Porra. Começo a sentir as mãos pegajosas porque metade não caiu no flute - por flute entenda-se o biberão do meu filho - e começo a lembrar-me, aos poucos, que ainda tenho de escrever esta crónica antes de sair de casa para só depois me perder nos festejos. Isto não foi uma boa ideia. Mas vale a pena. Pelos 23 que lá estiveram, pela equipa técnica, pelos outros milhões todos que estão na rua, e pelos muitos que, ao longo dos últimos 35 anos, me contaram histórias míticas dos jogadores que sempre honraram a nossa camisola, mas a quem faltou uma taça destas. Muitos, os contadores de histórias e os magos da bola, já não pisam o relvado ou não estão connosco. Isto é tudo para todos eles e é uma coisa muito bonita.

No final, o estádio explode de alegria com o primeiro grande título de futebol sénior que todos nós vimos e ouve-se a “A Minha Casinha” dos Xutos. Fernando Santos deve ter ficado intrigado. Merecia a mais solene interpretação de “À minha maneira.” Obrigado Engenheiro. Obrigado Mister. Obrigado Nando. Obrigado Chôr Santos. Obrigado do fundo do coração. A malta gosta de brincar e fazer pouco, mas nunca mais esqueceremos esta noite. Muito obrigado.

EPÁ, QUEM É QUE DEIXOU AS MINIS NO CONGELADOR?!"

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