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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Nunca o vi jogar

"Com uma lucidez exacta, o poeta Ruy Belo, disse um dia que 'Fernando Pessoa nunca seria conhecido por tanta gente como Eusébio', para logo acrescentar que 'achava bem'. Numa curta resposta numa entrevista, Ruy Belo, que é juntamente com Pessoa o nome maior da poesia portuguesa do século 20, mas era, em igual medida, um benfiquista apaixonado, esclarecia o ponto: 'A poesia é por natureza difícil. Como o futebol (mas no futebol encontramos) o êxito.'
Faz sentido colocar lado a lado duas artes maiores: a poesia e o futebol. Nas duas, entrevemos a mesma capacidade de tornar simples o complexo. Há numa partida de futebol demasiadas variáveis e obstáculos que aparentam ser intransponíveis, e o segredo está em saber simplificar o jogo. Um grande jogador é isso que faz: encontra escapes fáceis, que nenhum outro foi capaz de vislumbrar. O  propósito da poesia não é diferente, através de palavras concretas, atentas ao pormenor, revelar-nos resquícios da verdade. Em poucos sítios como no futebol e na poesia podemos avistar uma glória absoluta.
Eu nunca vi Eusébio jogar, mas é como se tivesse visto. Sei bem o que uma jogada deslumbrante, uma cavalgada monumental, com uma força que parecia estranha a todos os outros, ou um remate explosivo, podem fazer pela revelação da verdade. Sei que há tanta verdade nos dribles serpenteantes do Maradona como nas palavras enigmáticas de Borges; na perfeição  clássica de Pelé como na afinação suprema da voz de João Gilberto; na altivez superior de Beckenbauer como no romantismo da poesia de Goethe. A diferença está, como bem notou Ruy Belo, que um poeta terá menos possibilidade de alcançar o êxito, revelar essa verdade a uma maior número de pessoas.
Eusébio aproximou-nos a todos nós, portugueses, por escassos instantes, com os seus golos, um pouco mais do absoluto. É essa a matéria de que são feitos os génios. Como é sabido, não se repetem, mas é também o que lhes oferece a eternidade."

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