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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Arbitrar uma final


"Fui um sortudo, um privilegiado durante a minha carreira na arbitragem porque, entre tantas outras experiências memoráveis que pude viver, tive também a felicidade de estar presente em várias finais a nível nacional e internacional.
Digo-o sem vaidade mas com muito orgulho: arbitrei uma final da sempre mítica Taça de Portugal (no Jamor) e outra da Supertaça Cândido de Oliveira (em Aveiro). Fui nomeado 4.° árbitro de uma final da Taça da Liga (no Algarve) e estive presente, como Árbitro Assistente Adicional (vulgo Árbitro de Baliza), numa final da Liga dos Campeões (em Munique) e noutra do Euro-2012 (em Kiev).
Recordo esses momentos com saudade apenas para vos dizer que sei bem o que terão sentido Fábio Veríssimo e a sua equipa quando, apenas há meia duzia de dias, pisaram o relvado do Municipal de Leiria para arbitrarem a final da Allianz Cup.
É normal que quem esteja fora destas lides não tenha noção do que estou a falar. É normal que não compreenda as sensações que estas memórias oferecem. Mas acreditem quando vos digo, é um dos pontos mais altos da carreira de qualquer desportista. Pensem, por exemplo, no orgulho que sentirão jogadores, treinadores e dirigentes quando chegam, com mérito, à final de uma competição. Pensem na excitação e alegria, na forma como isso lhes enche a alma. Pronto. É exatamente isso que sentem os árbitros também.
Ter a possibilidade de estar num desses jogos, seja em que função for, é indescritível. O voto de confiança que recebemos da nossa estrutura e o reconhecimento de que estamos aptos para aquele desafio é a única motivação de que precisamos. Chega e sobra.
É certo que todos os jogos são importantes. Que todos devem ser preparados e encarados do mesmo modo, independentemente da categoria, classificação ou nome das equipas. Sabemos disso. Mas não podemos esconder que aqueles são especiais. As emoções, o frenesim, toda a agitação em torno das finais tem condimento diferente. Só o facto de sabermos que, após o apito final, haverá uma equipa que, em êxtase, levantará o troféu, e outra que ficará com a indesejada medalha de segundo lugar, acrescenta logo outra dimensão e responsabilidade.
É uma pressão diferente, que pesa de outra maneira.
Rebobinando a cassete. Tudo começa a partir do momento em que recebemos a nomeação. Daí em diante somos invadidos por sensações, notícias, atualizações sobre tudo e mais alguma coisa: os onzes prováveis, quem fica fora das opções e quem vai para o banco, como correram os treinos, o que disseram os técnicos, enfim, mil e um comentários e opiniões. É difícil abstrairmo-nos de tanta informação e mediatismo. Se não lermos os jornais e se não evitarmos as redes sociais, haverá um amigo, um vizinho ou um familiar qualquer que fará questão de nos atualizar, de nos manter a tensão a flutuar. É inevitável.
Claro que estamos a falar de boas sensações, daquelas que lá no fundo todos querem sentir e experienciar. Essa ansiedade não é vivida na negativa. Não sentimos medo, não temos pensamentos negativos ou catastrofistas, não ficamos bloqueados na sombra. Sentimos apenas flashes de imagens positivas. A energia flui a uma velocidade estonteante.
No meio de tanta adrenalina e intensidade, o importante é nunca perdermos o foco e percebermos que o nosso trabalho requer equilíbrio, neutralidade e discrição. Não somos os protagonistas daquela festa, somos os zeladores das leis e temos um jogo sério para arbitrar. Somos aqueles a quem compete fazer prevalecer a verdade desportiva com coerência e, de preferência, acerto.
Pés no chão, humildade e cabecinha fria, porque para quem apita sonho e pesadelo estão a um (mau) apito de distância.
Mas são de jogos assim que se constroem (ou destroem) carreiras. E que não restem dúvidas: estar numa final é e será sempre um espetáculo à parte.
O futebol é qualquer coisa, não é?"

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