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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Fui turista nos desportos americanos


"Era um sonho de vários anos. A verdade é que por mais que para o resto do mundo os EUA pareçam cada vez mais uma sociedade difícil de entender, ao ponto de acharmos que o Astérix diria hoje «aqueles americanos são loucos» em vez dos romanos, não deixa de ser a cultura mais dominante no mundo.
Todos crescemos a ver as suas séries e a ouvir as suas músicas. Passar uma semana em New York teve para mim a sensação constante de estar no set de um filme. Ver os longos autocarros amarelos da escola como os que o Forrest Gump falava com a Jenny, ou os táxis (também amarelos) a que o Dustin Hoffman gritou «hey, I'm walking here!» foi uma sensação surreal, como se tivesse saltado da realidade para a tela do cinema.
Permitiu comprovar estereótipos como o de na América ser tudo em grande (desde os edifícios, passando pelos carros, até aos palitos), mas também perder alguns (como os da arrogância, dado que todas as interações que tive foram simpáticas - mesmo que permaneçam as desconfianças quanto à sua famosa ignorância: após dizer que era de Portugal um deles respondeu-me «Oh, that's great! I always wanted to visit Barcelona.»)
Fui o típico turista em New York: subir ao topo do Empire State Building, passear pelo Central Park, atravessar a Brooklyn Bridge ou comer pizzas e hambúrgueres. Mas como fanático por futebol, e por extensão do desporto, adorei a ideia de ver in loco os seus desportos. O seu futebol. Acabei por ir ao MetLife Stadium ver os New York Jets contra os New England Patriots e ainda ao Madison Square Garden ver um jogo de Hóquei no gelo, opondo duas equipas que nunca tinha ouvido falar, os New York Rangers contra os Philadelphia Flyers.
A primeira experiência foi a do futebol americano num gigantesco estádio rodeado de um gigantesco parque de estacionamento (tudo é gigante naquele país) onde experienciei o tailgating. O tailgating é o equivalente às nossas roulotes nos estádios de futebol, que eu descreveria como «roulotes on steroids». Até onde a vista alcança vemos tendas, insufláveis, balcões e palcos montados no tal parque de estacionamento gigantesco. Tudo organizado pelos adeptos.
Alguns mantêm-se em grupos pequenos, com os grelhadores e geleiras junto aos seus pickup trucks (enquanto jogam um curioso jogo chamado corn hole - uma espécie de jogo da malha), mas existem ajuntamentos enormes com a seguinte organização: pagas 20 dólares, recebes uma pulseira e com isso comes e bebes à discrição.
Um bom convívio até 45 minutos antes do apito inicial, altura em que se ouve um barulho estrondoso de fogo de artifício. É o sinal para todos que é altura de entrar no estádio, que a equipa precisa deles. Um último shot de Bailey's é distribuído pelos adeptos, entoa-se o cântico dos Jets e o brinde termina com o tailgating. Vamos para o jogo.
No percurso para o estádio surgem duas surpresas: o número de americanos que reconhecem o casaco do Benfica que visto e a quantidade enorme de adeptos dos Patriots que caminham vestidos a rigor no meio dos adeptos da casa, sem qualquer problema (durante o jogo festejam os touchdowns sem decoro algum e eu só pensava «se estes tipos soubessem que no meu país até as crianças têm que ficar em tronco nú...»).
O espetáculo desportivo iria começar. E é mesmo disso que se trata, de um espetáculo. Preparado ao ínfimo pormenor para agradar até a turistas vindos de Portugal sem qualquer noção das regras do jogo. Em cada paragem do jogo (e oh se há paragens naquele desporto!) não há um segundo de tédio. Os olhos dos 80.000 americanos viram-se para os ecrãs gigantes e daí vem um pouco de tudo: «Let's do the kiss cam! E agora karaoke! E agora assistentes no relvado vão disparar t-shirts para as bancadas! E levantem-se para o veterano militar que vai entrar agora! E olhem esta celebridade que está no estádio! E....
Tudo isto enquanto outro ecrã menor vai transmitindo a mensagem que explica as pausas prolongadas: Pause for TV break. A televisão está a dar anúncios e enquanto assim for adeptos e jogadores no estádio aguardam religiosamente. The power of TV!
No meio disto tudo o público é entusiástico com as experiências sensoriais e bom, com o jogo propriamente dito, mas há momentos de silêncio e os pequenos e básicos gritos de encorajamento são sempre em resposta ao speaker. Neste desporto não há claques, não há cânticos, não há cachecóis, não há bandeiras, não há tochas, não há fumos, não há sequer insultos ao árbitro (que está munido de um microfone para que se oiça no sistema sonoro do estádio as suas explicações sobre as decisões que toma). Aliás, no início do jogo o speaker pede mesmo para que não haja qualquer tipo de cursing. Que guerra perdida seria essa num estádio de futebol...
Falta na verdade o tribalismo e a paixão que vemos no soccer. Não vi nos meus companheiros de bancada, enquanto a sua equipa caminhava para uma clara derrota, aquela cara de quem vai sofrer a semana toda com o fracasso. Posso estar enganado, mas daquelas 80.000 almas poucos terão perdido o sono com a derrota. É outra forma de viver o desporto.
Dois dias depois veio a experiência do Ice Hockey, no maravilhoso Madison Square Garden. Em muitas coisas foi muito semelhantes no que ao espetáculo diz respeito (a mesma explosão sensorial de luzes, fumos, músicas, etc.), mas a diferença esteve num público mais envolvido. Que já cantava para a equipa (mesmo que um básico LET'S-GO-RANGERS) e jogadores (IGOR-*palmas*IGOR) e festejou o golo com entusiasmo. Sim, golo. Pelos vistos tive o azar de ver um raro jogo de hóquei no gelo que terminou 0-0. Mas como para os americanos o empate é algo que não lhes assiste, o encontro avançou para um prolongamento só com três jogadores de campo (!) até ao golo de ouro da equipa da casa.
Festejos, palmas e 10 minutos depois estava tudo fora do Madison Square Garden.
É uma sociedade que encara o desporto de uma maneira diferente. Se nós concentramos toda a nossa energia num desporto e numa equipa, fazendo disso muitas vezes a nossa vida e a nossa religião, eles têm tantas alternativas, tantas distrações que são menos fanáticos com cada uma delas.
É difícil dizer quem está certo e quem está errado, mas sei de que lado do oceano Atlântico prefiro estar."

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