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segunda-feira, 23 de maio de 2022

A mecânica do fracasso


"Talvez seja o estádio, juntamente com o do Restelo, aquele que ofereça ao fotógrafo o ângulo mais sugestivo para fixar, em singular harmonia de contrastes, um bilhete postal de rara beleza: a tomada de perspectiva do belo castelo de Leiria a partir de um dos lados do Dr Magalhães Pessoa constitui uma feliz simbiose entre o arrojo da modernidade e a insuperável linha arquitectónica do famoso castelo a que, no imaginário popular, vem associada a errância amorosa do Lavrador, ou Rei Poeta, o grande Rei D. Dinis. Estou em crer que uma paisagem assim jamais escaparia à verve bucólica do poeta Rodrigues Lobo, à sensibilidade fina e marítima do lisboeta apaixonado por S. Pedro de Moel, o poeta Afonso Lopes Vieira, ou à alma arrebatada do poeta leiriense, José Marques da Cruz, falecido em São Paulo.
Não deixa, no entanto, de ser dolorosa e flagrante ironia que justamente esses dois estádios, Leiria e Restelo, sejam agora palcos episódicos de eventos raros e de circunstância, longe dos bailes de gala de outros tempos e de outros campeonatos.
Fixemo-nos no caso da União Desportiva de Leiria, clube fundado em 6 de junho de 1966 com a fusão dos clubes então existentes na cidade, para assinalar a sua meteórica ascensão ao primeiro escalão do futebol nacional, cabendo aqui evocar a ilustre figura de dirigente que foi Joaquim Marques, ele que há tão pouco tempo nos deixou e a quem o clube e a cidade tanto devem.
O clube pagou a inevitável factura da pressa: caiu algumas vezes na segunda, mas com uma particularidade de grandeza - reergueu-se sempre. Até se fixar na aristocracia do futebol doméstico sobretudo pela mão do astuto empresário do Alqueidão da Serra, João Bartolomeu que, ironicamente, nunca foi astuto o bastante para conquistar a adesão das gentes do Lis, apesar do relativo sucesso desportivo (um quinto lugar no campeonato, pelo menos um e uma final da Taça). Depois, bem, foi o que se sabe, com a cisão entre SAD e clube, com este a retomar a via-sacra dos começos. Pelo meio, o triste episódio da Marinha Grande, com a SAD a entrar em campo com 8 atletas.
Aproveitando a embalagem e bom desempenho do clube, logo apareceram os cucos até à actual situação de toda uma cascata de tentativas falhas do almejado regresso aos grandes palcos .
Este caso de consistente reincidência no insucesso por parte da União parece-me que reclama ser tratado à luz (?) da psiquiatria: faz lembrar as tias de Cascais falidas - nada resta que as reinvista da opulência e da glória de antanho.
Este simpático clube parece revolver-se na contradição, e nem a vizinhança de Fátima facilita o tão invocado milagre. Ou seja, no tempo da autocracia bartolomaica, havia equipa mas não havia público, agora, parece haver público, mas não há equipa que chegue para comover a intercessora das bodas de Caná, operando o milagre da multiplicação dos pães, para, assim, saciar a fome popular de sucessos.
Já vai, creio, em cerca de meia dúzia de tentativas geradas de tão ansiado regresso - e, quase sempre, uma queda do último degrau.
Admitindo eventuais erros de pura gestão desportiva, quem não os comete, o âmago do problema é bem fácil de identificar: a memória despótica do fracasso - dramático, porque quase sempre no fim da linha: isso mesmo, morrer custa (ninguém sabe quanto), mas morrer na praia custa muito mais (todos sabemos).
O insucesso repetido na sua tipologia situacional deixa um rasto, um sulco que canaliza uma compulsão homóloga no sentido da confirmação manifestativa daquilo que teimosamente nos fustiga a imaginação.
E mesmo que os actores sejam outros, tende a prevalecer esse “campo mórfico “. Que veicula a impressividade assediante da memória colectiva.
Meus amigos, para se ter sucesso não basta contratar bons jogadores e um bom treinador.
Contratem um bom coach ou um bom psicólogo e o milagre do sol talvez aconteça na próxima temporada.
Sem despiste das más memórias não haverá odres novos para o bom vinho!"

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