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segunda-feira, 18 de abril de 2022

E agora, para algo verdadeiramente surpreendente: fazer Darwin correr


"O Benfica confiou na previsibilidade, encostou a sua última linha à área, defendeu com cinco homens nessa linha e preparou-se para o Sporting tentar atacar como sempre o faz, retirando-lhe os espaços que mais gosta. Darwin marcou um golo e assistiu para outro, ambas as jogadas à sua maneira, e os encarnados ganharam (0-2) o dérbi em Alvalade, onde anularam a forma de chegar à baliza que os leões têm há muito e talvez lhes retiraram, de vez, a hipótese de revalidarem o título

Gabam-lhe muitos ‘ses’, demasiados ‘um dia’ futurologistas e a culpa, factualmente, é dele, façam ou não dele o que ainda não é. Darwin apenas controla o cabelo comprido que prende ao cocuruto, a perna e o braço pintados a tinta permanente e o resto, reforcemos o facto e redundemos um pouco mais o homem, está nas coisas do futebol que o uruguaio já faz muito bem e que são exploradas com afinco pelo Benfica, porque uma equipa que não se vire para o melhor que os seus têm merece adjetivos opostos aos que o avançado esguio, porém de costas largas, se tem feito elegível a receber esta época.
Deduzindo-o, agora, a uma descrição abusiva da sucintez, Darwin é um galgo de avançado, dos que necessitam de uma pradaria para correrem e fazerem despontar a sua capacidade de fazedura de gestos em velocidade. Não lhe conhecendo o rasto na infância e adolescência, está-lhe na cara e no corpo que terá crescido como o rapaz, de longe, mais rápido na rua, no bairro, depois da equipa e de um escalão e por aí fora, tão rápido que o uruguaio se fez a depositar toda a sua confiança nos gestos que era capaz de fazer enquanto os quilómetros por hora o elevavam sobre todos os outros jogadores.
Faz tempo, portanto, que em Portugal e já lá fora Darwin é reconhecido, sobretudo, pelo que ele dá ordem de soltura quando lhe dão espaço para correr e isto nunca escaparia a scouts, analistas de jogo, vídeos montados sobre o uruguaio e palestras tidas no Sporting para preparar o dérbi. Quando Vlachodimos tocou um pontapé de baliza para a fronteira esquerda da sua área um pontapé de baliza, aos 14’, onde o adversário até se posicionou de forma o forçá-lo a passar a bola ali — Paulinho fechava a hipótese Weigl e Pote a do outro defesa central —, Vertonghen até se deu ao luxo de a receber fora da área e logo denunciar o que iria fazer com o segundo toque e a pressão vindoura do avançado do Sporting.
Mas, tardios e lentos, só quando o belga tinha a cabeça em baixo e o pé esquerdo já puxado atrás é que Luís Neto e Sebastián Coates se colocavam de lado, com os joelhos fletidos e em posição de poderem correr para trás, já Darwin zarpara da frente do uruguaio para as costas do português. A bola longa lá caiu, Neto às aranhas e Coates em urgência para lhe fazer a dobra, sem aceleração que lhe valesse. O avançado recebeu na passada e o segundo gesto serviu-lhe para picar a bola por cima do corpo de Adán, outro socorrista que chegou tarde.
O uruguaio é um repelente ambulante para que um golo marcado assim seja descrito como surpreendente, nunca o seria, o futebol de Darwin é na pradaria e não emaranhado em arbustos de pequenos toques, passes ou tabelas, mas o Sporting não controlou esse espaço por onde ele pode galopar e, depois, viu-se a emperrar na maneira como o Benfica se precaveu nos metros de relva que a equipa de Rúben Amorim crava de cada jogo. Sem a bola, o extremo Diogo Gonçalves virava lateral para Gilberto se juntar aos centrais numa última linha com cinco jogadores.
Esse acréscimo numérico adotado pelos encarnados para tentarem controlar a largura tão querida pelos alas contrários bloqueou o manejo da bola no Sporting, que muito a teve, mas pouco a aproveitou: havendo mais jogadores a terem de cobrir menos espaço, o Benfica vigiava Pote e Sarabia sem se esticar em demasia para se acautelar contra as receções de Nuno Santos e Porro. Sem ter os tipos que acompanham Paulinho a conseguirem tocar na bola entre linhas, era no ala espanhol, à direita, onde iam parar todas as tentativas.
E em Porro o Sporting insistiu, uma vez e outra vez e mais outra, a equipa atraía os adversários no lado onde Diogo Gonçalves se vestia de mais um defesa para, rapidamente, baterem a bola rumo ao lado oposto, onde, depois, a equipa era uma repetição da previsibilidade. Cruzava a bola em loop, sem proveito ou surpresa. Em 45 minutos, as únicas bolas de remate achadas pelo leões surgiram de um par de recuperações perto da área do adversário, respetivamente pontapeadas à pressa por Paulinho (9’) e Pote (30’). Não encontrava alternativas enquanto o Benfica, menor no tempo contado com a bola, usava-a com maior intenção.
Porque alguns problemas antes vistos no Sporting, esta época, eram cortejados sem pudores pelos comportamentos de certos jogadores. Darwim puxava-se, muitas vezes, para longe dos centrais e zonas entre eles e os alas, para Gonçalo Ramos também fugir dali e espreitar nas costas de Palhinha e Matheus Nunes, preocupados em fixarem-se nos dois médios do Benfica — além de serem atraídos em demasia para Taarabt e Weigl, sofriam com o facto de o avançado do Benfica nem sempre ser acompanhado por Neto, Coates ou Inácio, que preferiam aguentar as posições.
A bola que à bruta e vinda de uma pancada seca de Everton rasou um dos postes da baliza de Adán, logo aos 48’ e no despertar de conversas no balneário, surgiu de uma tabela, com Gonçalo Ramos a servir de parede e a induzir que o Sporting talvez não tivesse a fim de corrigir coisas. E, no minuto seguinte, surgiu um paradoxo.
O Sporting reciclou uma jogada até à esquerda, onde tinha os cruzamentos que são o truque mais visto no pé esquerdo de Nuno Santos, que os produz bem e sacou um que foi ter com a cabeça de Sarabia, que desviou a bola contra a barra; na recarga, Porro ainda rematou prontamente e Vlachodimos esticou-se para segurar a bola. Ainda não o sabia, mas seria o que de mais perigoso a equipa faria e fê-lo a fazer as coisas como as faz sempre, apressando-se a atrair a pressão de um lado, circulá-la para o espaço destapado do outro e de lá, logo tentar atacar a área.
O que de melhor o Sporting criou acabaria por o condenar a tentar repeti-lo, com insistência, absorvido por hábitos enraizados nas entranhas de uma equipa que ganhou a jogar assim e, a cada minuto, a cada tentativa, se foi tornando ainda mais previsível a marrar contra um Benfica precavido para se resguardar contra uma forma de querer atacar que vem de há muito e sempre foi fácil de identificar, mas era um cargo de trabalhos para anular. Não neste dérbi, feito sinal dos tempos.
A equipa de Nélson Veríssimo manteve-se inalterada na sua última linha cinco, por vezes seis jogadores, mantida perto da área. O Benfica sofreu, nem o acerto nos primeiros passes após recuperarem bolas, com os jogadores tão espremidos uns contra os outros, fez a equipa alcançar muitas vezes Darwin, votado com o tempo às suas próprias valências que eram um convite a confiar na sua natureza. Recebida a bola, cada uma era para correr aquelas fintas de sprint, de quem acelera o instrumento de profissão e o persegue como via de ultrapassagem a outros corpos.
Quando Rúben Amorim atirou prováveis sinais para o Sporting mudar — entrou Slimani para Paulinho ser um falsíssimo extremo, depois o critério de Ugarte com bola e Edwards para ser um agitador das águas pelo meio do campo, alguém que encarasse adversários e se livrasse deles —, a equipa pareceu ver e não querer, ou visualizar e não estar na sua natureza sequer tentar jogar de outra forma quando a bola lhe pertence e um adversário bate em retirada para a sua própria área. O inglês pôs-se perto da área, ao centro, esperando e esbracejando, mas os passes raramente o procuraram; nem a Paulinho, que fazia o mesmo. Ninguém parecia estar programada para ligar jogadas no meio de corpo em vez de à volta deles.
Quanto maior foi a insistência no previsível, mais o Benfica soube como resistir e lidar com a repetição de cruzamentos e chamadas de Pedro Posso à ação, pela direita. Houve um remate frouxo de Paulinho, outro forte do mesmo, à entrada da área e mais nada de recordável do Sporting, que se foi afundando na sua previsibilidade, sem plano B, C ou V, de visto, face a esta vez em que Coates voltou a ser puxado para a área nos últimos minutos, quando já nada parecia resultar, o cansaço toldava o julgamento e a equipa pontapeava a bola com o coração.
Uma das derradeiras tentativas fê-los perderem uma bola que se parecia encaminhar para ser cruzada e Gil Dias começou um contra-ataque, a 80 metros da baliza, distância que seria percorrida, em grande parte, por Darwin Gabriel Núñez Ribeiro, o antílope mantido em campo até ao fim e a quem se apontou o terceiro passe. Era ele o destinatário de tudo e sê-lo-ia também da última das transições, o uruguaio galopou até a velocidade atrair os quatro jogadores do Sporting que se concentraram nele e vagaram todo o espaço para o uruguaio, perto da área, devolver a bola a Gil Dias. Este 0-2, aos 90’+2, seria também uma prova.
A de que enrijecer uma fórmula dadora de sucesso, títulos e superioridade prolongada sobre dezenas de adversários não é o garante de resultar sempre. O Sporting acabou como antes jogou, cruzando a bola ainda um par de vezes à área, o desespero a mimicar a calma e a fazer parecer que a urgência não mudara. Os leões perderam e ficam a 12 pontos de um FC Porto que já não deverão impedir de ser campeão, tão pouco é provável que sejam apanhados no segundo lugar, mas, pelo terceiro jogo grande desta época, não ganharam a um rival em casa (primeiro FC Porto, depois Sp. Braga, agora o Benfica) e, neste dérbi, foram controlados e, por vezes, até anulados por um adversário que se focou na fidelidade da equipa em fazer as coisas de uma certa forma.
O Benfica confiou que não haveria surpresas na vida com bola do Sporting, que tão previsível e redundado em si próprio foi que pareceu, em fases, uma equipa sem eira nem beira. Depois, quem estava do outro lado também não surpreendeu — criou condições para Darwin correr e deixou-o ir, apanhando boleia."

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