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terça-feira, 25 de agosto de 2020

O encanto revolucionário de Mr. McLvanney

"Em Edimburgo, no dia 29 de Setembro de 1960, o Benfica conquistava a primeira vitória na Taça dos Campeões, batendo o Hearts por 2-1. Um dia extraordinário. Que iria ser o primeiro passo para a conquista do troféu mais ambicionado da Europa...

Momento lindo da história do Benfica: dia 29 de Setembro de 1960. Numa cidade encantadora: Edimburgo. Diria até mais: fascinante. Quando se fala do futebol escocês, Glasgow é o centro indiscutível. Tem o Celtic e o Rangers, claro, os dois monstros de um grupo de clubes com histórias antiquíssimas e presentes sem destaque. Mas nunca desprezemos a história! É um erro grave. Gravíssimo!
O Heart os Midlothian nasceu em 1874. Como não respeitar uma instituição com 146 anos, não me dizem? O clube mais antigo da capital escocesa.
E, por outro lado, sabem qual o último ano em que o Hearts, como é conhecido, ganhou o campeonato escocês? 1959. Exactamente. Por isso, ficou apurado para a Taça dos Campeões Europeus da época seguinte. Coube-lhe, por sorteio, defrontar o Benfica. É então que surge o tal momento bonito da vida das águias.
Tynecastle Park. Um fulano chamado Tommy Walker construíra, ao longo de dez anos, uma equipa de resistência formidável, embora não abundasse em talento. Era esse o adversário do Benfica na primeira eliminatória. Primeira mão na Escócia.
43 mil pessoas juntaram-se em redor das quatro linhas. Ultrapassaram largamente o número de assentos e, teimosamente, conservam-se em pé durante noventa minutos. Importante mesmo era não perder pitada que fosse do encontro. Pescoços esticavam-se uns por cima dos outros.
O repórter do The Scotsman, Hugh McLvanney, ficou atarantado com o classe de dois jogadores: um na defesa, Germano; outro no ataque, José Águas. Escreveu que achava o futebol benfiquista 'verdadeiramente revolucionário'. Eis uma expressão que poderia merecer a censura daqueles canalhas que andavam de página com um lápis azul em riste a impedir que os estimados leitores lessem coisas incomodativas para o regime em vigor. Mas que se colou ao que viria a acontecer até ao fim dessa edição da Taça dos Campeões. A antítese que Germano demonstrava perante o estilo bruto de Alexander Young, Bobby Blackwood, Jimmy Murrray ou Willie Bauld, avançados abana-pinheiros de meter os pés, alegrou de sobremaneira o jornalista. O central benfiquista desarmava adversários e saía com a bola dominada da sua zona defensiva com uma classe e um estilo apaixonante. E alimentava movimentos de ataque com passes primorosos...

A exigência de Guttmann
O Benfica conseguiu, em Edimburgo, a sua primeira vitória na Taça dos Campeões. Na única vez que tinha participado na prova, empatara e perdera com o Sevilha. Aproveitou esse triunfo para ir por ái fora até à final e bater o Barcelona, em Berna. Mas isso foi um bocado depois. Por hoje, fico-me pela Escócia e pelos golos de José Águas (36m) e José Augusto (74m) que resistiram ao golo de Young (80m). Momento lindo e inesquecível, ainda por cima agora que o Estádio da Luz vai receber novamente a final da Liga dos Campeões. Umas coisas ligam-se às outras.
O treinador húngaro dos lisboetas, Béla Guttmann, O Mago, não estava satisfeito de todo. A sua exigência era grande: 'A nossa táctica baseava-se na vontade de fazer com que o Hearts concedesse um empate. Aconteceu que conseguimos alguma superioridade e ganhámos. Toda a equipa cumpriu as indicações que recebeu e penso que voltaremos a jogar assim, com esta qualidade, no jogo da segunda mão. Ainda assim, poderíamos ter feito mais qualquer coisa para dilatar o resultado'.
Coluna e Cavém eram outros dos elogiados. Num meio-campo buliçoso, de trabalho contínuo, combate sem quartel perante opositores fisicamente poderosos, foram de uma resistência a toda a prova. 'Os portugueses, mesmo nos momentos eufóricos em que se lançaram ao ataque, nunca perderam de visita que mais importante do que ganhar era não perder', escrevia o diligente jornalista de The Scotsman. 'A defesa do resultado esteve presente no zero-zero inicial e apareceu, claramente, depois da marcação do primeiro golo. A seguir ao 2-0, em vez de tentar o golpe mortal, acomodou-se a um resultado que já julgava definitivo. mais golo, menos golos, pouco importava aos campeões portugueses'.
A eliminatória fico desde logo decidida e outra coisa não seria de esperar. Concluía o escriba: 'Apesar de possuir uma boa equipa, o Benfica não tem o nível do Real Madrid...' Pois... Mas a concepção foi precipitada. Ao fim de cinco vitórias consecutivas em finais da Taça dos Campeões, o Real ficaria desta vez pelo caminho, eliminado pelo Barcelona que chegou a Berna como grande favorito. E de Berna saiu derrotado por 2-3. A equipa que Hugh McLvanney considerava inferior ao grande Real Madrid, iria substituir os madrilenos no topo do futebol da Europa. Uma no mais tarde, em Amesterdão, confirmou que era bem superior ao Real, vencendo a final por 5-3. E tudo começara numa final de tarde em Edimburgo. Um dia muito, muito bonito para a história do Benfica."

Afonso de Melo, in O Benfica

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