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quinta-feira, 23 de abril de 2020

Como imaginar o Benfica sem a Luz cheia ou o Tractor com o Yadegar-e-Eman vazio?

"O futebol nunca sobreviverá à ausência continuada de público, não só do ponto de vista financeiro, mas sobretudo do ponto de vista afectivo e emocional. É dessa força exterior que as equipas se alimentam e é do alento dos adeptos que dependem. Imagina-se uma equipa do Benfica sem a nação encarnada a apoiá-la no meu Estádio da Luz ou o Tractor existir sem os fervorosos e incríveis militantes que transformam o Yadegar-e-Emam num vulcão? Os adeptos são o motor dos clubes e, sem eles, estes deixam de fazer sentido.
Mas tenho de admitir que, nos próximos tempos destes tão estranhos tempos em que vivemos, a paixão propulsora do futebol tenha de ficar à porta dos estádios e sejam a televisão, a rádio, a internet e os jornais a levarem-nos até ao coração do espectáculo.
E há uma verdade que deve ser dita: a sociedade precisa, para os seus próprios equilíbrios emocionais, da adrenalina estimulante e do sentimento de pertença associados ao futebol. Faz-lhe falta a rivalidade a que se habituou e quer saber, para já, como vai ficar a classificação desta época desportiva, tão abruptamente suspensa quando caminhava a passos largos para o fim.
Quando tanta tem sido a especulação em torno de como deve ficar a classificação, para mim só pode haver uma verdade: a que nasce e se afirma dentro das quatro linhas. Assim haja condições e permissão das autoridades sanitárias, a verdade desportiva manda que os campeões sejam encontrados dentro de campo e nunca na secretaria.
Hoje ainda somos assaltados por dúvidas quanto ao tempo certo para o regresso aos treinos e à competição e há que ter consciência de que é preciso fazer mais do que decretar jogos à porta fechada e encontrar um acordo possível com os patrocinadores para que se possa falar em normalidade. Juntando aos pareceres incontornáveis das autoridades sanitárias, também os jogadores e as suas instituições de classe deverão ser ouvidos, pois serão eles a assumir uma posição na primeira linha do risco, numa modalidade em que o contacto físico é inevitável.
O futebol pode, como já vimos, vir a ter um papel relevante na normalização possível do nosso dia-a-dia neste mundo diferente em que estamos a entrar, mas também deve propor bons exemplos e boas práticas, como se tem visto, aliás, nas propostas responsáveis que têm chegado da FIFA, UEFA e FPF. É uma responsabilidade a que a modalidade mais popular do mundo não pode, nem deve, fugir. 
Nesta fase é muito importante que não haja pressa e que se evitem regressos prematuros que possam redundar em retrocessos. E os portugueses, que têm dado fantástico exemplo de disciplina ao longo destes longos dias de confinamento, deverão saber esperar pelo tempo certo do regresso do futebol. Que, creio, não tardará.
Nunca, no meu tempo de vida, e já cá ando há 73 anos, me passou pela cabeça viver uma situação destas. Uma epidemia à escala global, daquelas que víamos às vezes no cinema, capaz de colocar em causa o nosso modo de vida e tornar-nos expostos e indefesos, em risco permanente. Às vezes penso no que está a acontecer e nem quero acreditar na volta que tudo isto levou, tal como o futebol que sempre me apaixonou.
Mas estes tempos de confinamento, em que a azáfama de tantos e tantos anos foi brutalmente cortada, permitiram-me alguns momentos de reflexão e de balanços de vida, que me têm ajudado a organizar as ideias.
E também, devo confessar, já devo ter visto, durante estas semanas, mais filmes e documentários do que durante toda a vida!
Tenho aproveitado o tempo que agora sobra para actualizar a minha base de dados de jogadores e ainda para rever e avaliar, segundo critérios de hoje, alguns jogos clássicos do passado, comparando comportamentos e formas de estar e percebendo, de forma cristalina, a evolução que a forma de jogar futebol tem tido ao longo dos anos.
O que mais desejo? O regresso à vida a que nos habituámos e com que agora sonhamos. Mas sei que vamos ter de nos contentar com aquilo que for compatível com os novos tempos, pelo menos até que seja descoberta uma vacina que possa libertar-nos deste inimigo invisível.
Faço votos. também, que o futebol regresse depressa e, logo que possível, com público a encher as bancadas. Porque, e termino como comecei, sem a paixão dos adeptos e a força que é transmitida de fora para dentro, o futebol faz pouco sentido."

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