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quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O sucesso, segundo JJ

"Quando Ruy Castro, genial biógrafo brasileiro, escreve no DN “Jorge Jesus é nosso”, dos dele, do Flamengo, algo está a acontecer com a chegada do “mister” à pátria em chuteiras. E não, Jesus não passou a ser um treinador perfeito, nem sequer está diferente no essencial dos conceitos tácticos. É certo que melhorou na comunicação, respondendo a provocações tontas com resultados e não com frases de efeito boomerang, mas permanece convencido de que as equipas que treina são sempre as melhores e nem sequer deixou de exagerar nas reprimendas públicas que dá aos jogadores. Na prática, o JJ que os brasileiros descobrem hoje é exactamente o mesmo que os portugueses ficaram a conhecer bem na última década. E é por isso que ganha. Por isso e, já agora, pelo contraste absoluto com um futebol brasileiro que parece acordar de uma letargia táctica de décadas, sacudido com estrondo pelo efeito do tal “mister” de 65 anos e que – coisa pouca, diziam tantos - “só tinha títulos em Portugal”.
O sucesso de Jesus faz-se, sobretudo, de convicções firmes e qualidade de treino. E não é pouco. No universo dos que vacilam quando se altera o vento dos resultados, Jesus é o navegador firme – teimoso até – que acredita sempre na rota que o há-de levar ao destino. No mundo dos que relacionam o êxito com os talentos individuais à disposição, ele é o crente fiel nos méritos do colectivo, que faz de patinhos feios competidores eficazes e dos maiores talentos craques absolutos. No reino dos estrategas, dos que abusam hoje da análise aos rivais para seguirem em cada jogo por um caminho diferente, Jesus é o fiável construtor de um modelo que ao fim de poucas semanas revela a sua impressão digital.
Quando o oiço elogiar o campeonato brasileiro percebo a simpatia do hóspede e a inteligência de valorizar a obra feita. Quando outros vislumbram grande qualidade nas equipas brasileiras, pergunto-me de que falam. É que qualidade de jogadores sempre houve por lá, mas colectivamente, e com licença de algumas intenções elogiáveis de Santos ou Atlético Paranaense, o que mais se vê é mesmo fraco. Seja no Atlético Mineiro, clube histórico com bons jogadores, mas que apresenta um futebol arcaico, num Corinthians que quase só defende e mesmo isso faz mal ou no Fluminense que não exibe ponta por onde se pegue. E ao Grêmio, de sucesso cantado na Libertadores, o Fla deu a lição reclamada pela fanfarronice, sem que o treinador Renato Gaúcho demonstrasse perceber o atropelo táctico de que foi alvo.
E o que mudou foi essencialmente tático, uma vez mais, na forma de defender e de atacar, sempre a partir dos posicionamentos, conceito-chave na forma de trabalhar do treinador português. É perceber onde está agora a linha defensiva do Flamengo e onde se alinhava antes (muito mais recuada, como quase todas no Brasileirão), e numa articulação rigorosa com o precioso contributo do guarda-redes Diego Alves. É atentar às distâncias, tão mais curtas, entre todas as linhas na hora de defender. É ver como Rodrigo Caio (há muito um craque para exportação) mas também Pablo Marí assumem a construção de jogo, atraindo e passando com risco. E que dizer de Arão, sapo feito cisne, que sabe agora os terrenos que pisa, levando a equipa a recuperações de bola sucessivas em terreno contrário. E mais os alas, criativos de talento, a alternarem entre a ocupação de toda a largura do campo e a protecção do corredor central, ou os avançados que dialogam entre recuos de apoio e dilacerantes acelerações. Estes Bruno Henrique e Gabigol parecem hoje capazes de brilhar em qualquer equipa do mundo.
E sim, o Jesus que ganha no Flamengo é o mesmo que perdeu três campeonatos seguidos na Luz, do mesmo modo que não logrou o título maior noutra tripla oportunidade em Alvalade (e só na primeira esteve perto). E ainda não venceu nada no Brasil, apesar de o campeonato local parecer virtualmente ganho. O que já ninguém lhe tira, no entanto, é a certeza de que acrescentou saber e competência ao futebol onde nascem mais talentos por metro quadrado. E se alguns ainda desdenham, com algo de incredulidade e muito de ciúme, Ronaldinho Gaúcho – e de talento sabe ele – diz que o Flamengo tem “um grandíssimo treinador” e o seleccionador Tite reconhece como “é difícil vir de outro país e ter este desempenho”. Ah, e Ruy Castro - volto a ele - até sugere que se JJ “quisesse candidatar-se hoje a presidente do Brasil seria capaz de eleger-se”. E não há como não sentir um pouco de orgulho pátrio em tudo isto.

Nota colectiva: O Vitória de Guimarães apresenta não apenas a mais sedutora como a melhor proposta de jogo da Liga portuguesa. Os homens de Ivo Vieira são os únicos que baseiam o jogo em ataque posicional e os que mais merecem que gastemos duas horas a vê-los crescer. E mesmo as derrotas internacionais foram com futebol de equipa grande, o que só pode ser valorizado por quem veja mais que resultados imediatos.

Nota individual: Sem contar com Cristiano Ronaldo, o avançado universal que também visita as grandes áreas, Gonçalo Paciência é o mais talentoso ponta de lança do futebol português. Não tem a explosão de Rafael Leão nem a combatividade de André Silva, mas toma, por regra, melhores decisões e demonstra recursos - qualidade a segurar a bola, garantia de apoios a quem vem detrás, futebol associativo em permanência – que o recomendam claramente à selecção, principalmente se pensarmos nos tantos talentos que podem gravitar em seu redor."

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