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domingo, 31 de março de 2019

O atropelo dos grandes

"Entende-se mal que, precisamente os medianos, ajam em função das ambições dos grandes e contribuam a dar estatura moral ao atropelo

Aplaudindo a expropriação
A FIFA, a UEFA e a ECA (Associação Europeia de Clubes, com a sigla em inglês) disputam os dias para vender o produto. O produto é o jogo, a luta é pelo negócio e faltam os dias para tanta ambição. Está a modelar um futuro em que os clubes grandes, conscientes do seu poder, cheguem ao patamar de grandíssimos. Uma voracidade que não respeita nem a tradição, nem a saúde dos jogadores nem os interesses dos clubes medianos. Entende-se mal que, precisamente os medianos, ajam em função das ambições dos grandes e contribuam a dar estatura moral ao atropelo, participando num organismo que, como a ECA, não se caracteriza pela sua piedade. Tendo em conta que já perderam os seus melhores os fins de semana e, finalmente, a relevância e a capacidade económica, pelo menos não aplaudam. Quanto aos jogadores, não falam. Os anónimos porque não têm voz e os consagrados porque têm a boca cheia.

Como perder o tempo
muitas maneiras de atrasar a maturidade futebolística. A mais dolorosa é que se faz por escolha própria. Há bons jovens jogadores que estagnam de uma forma lamentável por se apressarem a chegar a uma grande equipa. Ignoram que se evolui competindo, não treinando. O norueguês Odegaard é um caso exemplar. Os representantes têm uma responsabilidade séria no erro, mas quem paga é o jogador. Ciovani Lo Celso soube rectificar. Dois anos no PSG, jogando pouco e fora de posição, foram o castigo da sua impaciência. Perdeu tempo. No Bétis vê-se que é um jogador interessante, que no último quarto evidencia a sua pureza técnica da esgrimista com os pés e a sua clarividência criativa para ver o que os outros não veem. Jogando 40 partidas por ano, a ponte para um grande está assegurada.

Como o exemplo ganhou ao euro
Jaime Mata dedicou a sua vida ao futebol e o futebol decidiu recompensá-lo. Tarde, mas de um modo espectacular. Com 30 anos estreou-se na I Divisão e ganhou o direito a ser seleccionado. Da irrelevância ao êxito e, sobretudo, ao reconhecimento pessoal que merece quem nunca se rende. Mata fez a sua parte divinamente. Pôs a sua paixão ao serviço da tenacidade e a sua inteligência ao serviço da melhoria contínua. Dizer que «o futebol é assim» não explica o caso. O futebol é gente que joga, gente que vê e gente que toma decisões. Alguma coisa falhou quando não sabemos ver antes o potencial de um jogador de selecção que vagueou pelo futebol pobre e sem identificarmos o seu talento. Haverá mais casos de jogadores notáveis que têm alguns defeitos. Só necessitam dum treinador que se enamore pelas suas virtudes. E da integridade granítica de Jaime Mata.

Ben Yedder
Move-se com soltura por toda a frente de ataque, com sentido de desmarcação implantado e inteligência. Tem um corpo fibroso, mais leve do que ressonante, com um rabo descaído, pança saliente e extremidades curtas. Tudo na sua arquitectura joga a favor do equilíbrio. Essa razão, mais o requinte técnico e o instinto predador, explicam as suas travagens secas, as voltas ágeis, a sua capacidade para tirar um remate de qualquer posição e em grande velocidade. Pela manobrabilidade do seu corpo e dos seus hábitos de futsal onde se iniciou, quando mais pequeno o espaço maior é Ben Yedder. Na área o seu futebol deixa de ser lógico e torna-se astuto, pleno de espanto e com a atraente habilidade dos canhotos. Um bom rematador, mas também um jogador capaz de criar perigo desde o nada. Um daqueles avançados invisíveis para os quais tem de se saber olhar."

Jorge Valdano, in A Bola

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