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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Sabe quem é? O primeiro depurado - Simões

"Foi inaugurar Estádio Salazar, bufo pôs PIDE à sua espera no aeroporto; Jogo do Benfica, salvou-o da barricada do CDS

1. Era Outubro de 1967, em atraso andavam os ordenados no Benfica. Após um treino acercou-se de Romão Martins e perguntou-lhe quando é que os pagavam. A resposta que apanhou foi: «É lamentável que os jogadores se preocupem tanto em receber tão depressa» - e Fernando Riera exigiu que pedisse pronta desculpa ao director do futebol. Fê-lo na festa de despedida de Costa Pereira, mas, a pretexto de entrevista ao Século Ilustrado, foi suspenso por 30 dias. Piscaram-lhe o de Alvalade - percebendo o risco em curso só então o Benfica lhe saldou a dívida: 62 500 escudos.
2. Entregara o seu caso a advogado que era filho do médico que tratara da equipa de futebol do Sintrense e defendia presos políticos: o Jorge Sampaio. E também foi ele que, por 1968, lhe tratou da renovação com o Benfica - que valeu 350 contos em luvas e 90 em salários anuais (90 contos seriam hoje cerca de 27 100 euros - e a Morris tinha publicidade ousada ao seu modelo 850: meninas muito sexies em calções de... futebolista e custava 113 contos).
3. Por essa altura ele tivera a PIDE à perna: «Quando a selecção foi jogar contra o Brasil a Moçambique para a inauguração do Estádio Salazar - aquilo estava tão mal organizado que eu afirmei, entre nós, que assim pouco orgulho podia haver em representar-se Portugal. Quando voltámos, no aeroporto, tinha dois senhores à minha espera. Levaram-me para a António Maria Cardoso para me justificar. Disse-lhes que me achava com direito à indignação e que era por querer que representar o país fosse um orgulho é que afirmara o que um bufo apanhou - avisaram-me que tivesse cuidado! Voltei lá porque fiz uma amizade na Checoslováquia, trocámos cartas, acharam que fosse algo de subversivo, tive de ir provar que não. Preso não sei se teria sido, mas se não fosse o jogador do Benfica teria sido bem pior. Fui sempre irreverente, sempre estive, quis estar, do lado dos mais fracos, dos mais aflitos - para ajudar a escolher a cadeira vazia, percebe?!...»
4. Quando Marcelo Caetano aceitou que os futebolistas pudessem ter um Sindicato, a sua alma era ele: «O Dr. Sampaio várias vezes o garantiu: que foi preciso coragem para eu me lançar contra a Lei da Opção, ser a primeira pedra mandada para a batalha, andar, como andava, a correr para o Ministério das Corporações, a lutar sozinho, por todos nós, por mais previdência, por assistência social obrigatória». (Ao Sindicato, os primeiros estatutos escreveu-lhos Jorge Sampaio. Foi formalmente constituído em Fevereiro de 1972 - e, na primeira direcção, a seu lado, estavam o Eusébio, o Artur Jorge, o Fernando Peres, o Rolando, o Pedro Gomes e o João Barnabé).
5. No último fim de semana de Janeiro de 1975, militantes de extrema esquerda precipitaram-se em fúria (e descabelados) para o Palácio de Cristal - onde CDS estava me congresso. Cercados, os seus 700 congressistas barricaram-se lá dentro, em pânico e só saíram 24 horas depois, evacuados pelo COPCON com a ajuda de para-quedistas de Lisboa. Não, ele não passou pelo susto porque, apesar de ser candidato do CDS à Assembleia Constituinte, tivera jogo com o Leixões (entrou aos 62 minutos para o lugar de Nené e o Benfica venceu por 3-0).
6. Falhou a eleição para a Assembleia Constituinte - e Freitas do Amaral chamou-o à sua residência (lá, com ele tinha Amaro da Costa): «Desafiaram-me de novo a candidato, candidato às Legislativas de 76 por Fora da Europa. Ganhei com vantagem extraordinária. Assumi o cargo em São Bento, fui o primeiro futebolista a consegui-lo. O ordenado de deputado? Não me lembro bem, era coisa à volta dos 12 contos (que hoje seria menos de 1500 euros). Uma ninharia comparado com o que recebia como jogador na América, em três meses em Boston recebi mais do que em três anos no Benfica...»
7. Para a América fora - jogar pelo Boston Minutemen: «Procurei o Dr. Borges Coutinho, anunciei-lhe que o meu último jogo pelo Benfica seria o do titulo de campeão (o seu décimo - para além das duas Taças dos Campeões e mais), contra o Tomar. Procurou demover-me, disse-lhe que não se preocupasse com os 650 contos da festa de homenagem que o Benfica teria de me fazer. Recusei isso e mais 500 contos pelas duas épocas que ainda tinha em contrato e poupei assim 1650 contos ao clube (que hoje seriam cerca de 240 mil euros)»."

António Simões, in A Bola

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