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terça-feira, 6 de novembro de 2018

Na véspera, em Amesterdão...

"Regressemos por momentos à Holanda. Dia 1 de Maio de 1962. O Benfica prepara-se para ganhar a sua segunda Taça dos Campeões. Ultimam-se pormenores. Béla Guttmann não receia o mau tempo que se anuncia. Os holandeses fazem comparações entre os jogadores encarnados e os do Real Madrid.

Foi na semana passada, o Benfica até Amesterdão jogar o primeiro de dois jogos consecutivos frente ao Ajax para a Liga dos Campeões. As coisas não correram bem, como sabemos, mas não vamos considerar a cidade ingrata, até porque tem um charme muito próprio, muito intenso, e merece mais visitas.
Recordemos uma delas, a mais importante da história do clube da águia imperial. Mas recordemo-la em imagens diferentes. Dia 1 de Maio de 1962: véspera da final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, como então se dizia. De um lado e do outro as duas únicas equipas que haviam conquistado o troféu até aí: o Real Madrid, que somara cinco consecutivos, e o Benfica que, no ano anterior, batera o Barcelona, em Berna (3-2).
O L'Equipe, jornal francês que lançou a ideia da competição e organizou mesmo as primeiras edições, antes de a UEFA meter as mãos ao trabalho, titulava: 'Este pode vir a ser um dos melhores jogos de sempre!' E foi. Continua a ser.
Chovia. Ou, melhor, chuviscava.
Nada que pudesse em causa a integridade do relvado. Em Portugal, toda a gente escrevia Amesterdam: manias.
Béla Guttmann, o húngaro mágico, dirigira uma sessão de treino. Coisa ligeira, nada de exageros. Era um homem confiante. Uma personalidade única. Tinha uma noção muito viva de si próprio e isso influenciava todos ao seu redor. No final de apronto anunciou a equipa para o dia seguinte: Costa Pereira; Mário João e Ângelo; Cavém, Germano e Cruz; José Augusto, Eusébio, Águas, Coluna e Simões.
Eusébio e Simões iriam jogar a sua primeira final dos campeões.
E Eusébio era uma sensação!
Do lado espanhol, cautelas, muitas cautelas. O dirigente madrileno Emil Osterreicher veio justificar o medo. Sim, não tenhamos vergonha da palavra: o medo. Disse candidamente que não iria tornar público o onze dos merengues. Que havia dúvidas. Um ou outro jogador tocado. Depois se veria.
Com os medos do Real podia o Benfica bem. Aliás, como se viu.
Esclarecia-se na imprensa portuguesa: 'Sendo ambos os grupos mestres no jogo de conjunto, dispondo contudo de valores individuais brilhantes, a maioria dos críticos recusa prever o resultado, se bem que sejam de oito contra uma a possibilidade de empate. Se, porém, for necessário novo jogo após os prolongamentos da lei, esse jogo de desempate será disputado no próximo sábado no mesmo estádio'.

Silêncio no mercado negro
Estranhava-se que o movimento do mercado negro fosse escasso. Um director do Ajax comentou com certo chiste: 'Desta vez até os especuladores querem guardar os bilhetes para poderem ver o jogo ao vivo'. Curiosamente, a gerência do hotel no qual o Real Madrid se instalou, resolveu fazer um seguro. Preocupada com a hipótese de um empate por causa do qual ficaria obrigada a manter os quartos dos madrilenos por mais quatro noites, precavia-se em relação aos hóspedes que iria recusar.
Um vento forte começara a soprar durante a tarde.
Béla Guttmann estava-se nas tintas: 'O estado do tempo pouco me interessa. Jogamos bem em quaisquer condições'.
Ah! Isso é que era moral!
Germano estava constipado. Sinusite crónica. Humberto estava de prevenção. Afinal já tinha jogado a Taça Intercontinental, perdida para o Peñarol do Uruguai.
A UEFA anunciava medidas: próximo sorteio da primeira eliminatória da Taça dos Campeões teria lugar em Colónia em 6 de Junho. E deixava claro que, actuando o Benfica com o seu equipamento habitual, os jogadores do Real Madrid teriam de envergar calções escuros para evitar confusões. Os madrilenos optariam por jogar todos de azul.
O árbitro seria holandês: Leo Horn.
E o De Telegraaf, numa longa peça dedicada à fantástica final, elogiava a classe de Di Stéfano, Puskás, Del Sol e por aí fora, dedicando aos encarnados estas linhas: 'O Benfica de Lisboa é, sem dúvidas, a revelação internacional destes últimos dois anos. A comparação entre o Benfica e o Real apresenta as seguintes características: guarda-redes cheios de segurança (Costa Pereira e Araquistain); eixos de defesa sem falhas (Germano e Santamaria); avançados-centro de grande classe (Águas e Di Stéfano). As duas linhas avançadas possuem igualmente interiores-esquerdos de grande capacidade: Puskás, sempre postado como franco-atirador e quem não convém deixar movimentos livres; Colna, que opera mais atrasado, mas não tem rival em transformar um ataque em contra-ataque e encontrar-se na ponta final. Del Sol, o interior-direito do Real, é comparável em rendimento a Eusébio, que, talvez com mais brilho, ocupa o mesmo posto no Benfica'.
E concluía: 'O Real continua a ser a equipa que melhor concretiza as situações que cria ou que lhe são oferecidas. A sua velocidade é talvez inferior à do Benfica, mas a técnica e o profissionalismo são de primeiro plano. A isto os portugueses opõem ímpeto, velocidade, brio, juventude além de inegáveis qualidades técnicas. A questão que se põe para esta final pode ser a seguinte: conseguirá o Benfica com a sua rapidez abalar o Real e dominar os contras dos madrilenos?'
A resposta seria dada no dia seguinte, no Estádio Olímpico de Amesterdão: Benfica, 5 - Real Madrid, 3. Inesquecível!"

Afonso de Melo, in O Benfica

1 comentário:

  1. Inesquecível!
    Então quando o Águas marca, ainda na 1ª parte e a bola vai ao centro, ele a gesticular com os colegas como que dizendo que era assim que se devia fazer.
    Recorde-se que estávamos a perder 0-2 (com 2 golos do Puskas) e o Águas reduziu para 1-2 perto intervalo.
    Na 2ª parte os gajos do Real Madrid não aguentaram a pedalada do Benfica e do....Eusébio!
    Inesquecível!

    Viva o Benfica!

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