"Depois de ganhar a Taça Latina, mistério houve na sua ida para Inglaterra; Sem dinheiro para casa, drama em Monsanto
1. O Millwall FC em que ele jogava como defesa direito marcou a história como «Matador de Gigantes». Não, não foi só por eliminar o Manchester City da FA Cup de 1937 (antes fizera o mesmo ao Chelsea, Fulham e Derby County) - e por unha negra não chegou a Wembley, da final foi afastado pelo Sunderland - que a ganhou ao Preston North End (de Bill Shankly). Com o Millwall FC já à beira da I Divisão, estoirou a II Guerra - e ele teve de por lá andar, em combate.
2. Quando Salazar cedeu a base das Lajes aos Aliados para o ataque final aos nazis, o seu comandante era João Tamagnini Barbosa. Por lá se cruzou com ele (e outros futebolistas ingleses famosos) - e, quando se tornou presidente do Benfica, desafiou-o para sucessor de Lipo Herczka. Tinha 34 anos - e para dizer sim a Tamagnini deixou de jogar no Millwall FC.
3. Logo no seu primeiro ano, levou o Benfica à conquista da Taça - histórica porque em cinco jogos fez 36 golos: 7-1 ao Boavista, 13-1 ao Académico de Viseu (goleada maior só aconteceria 40 anos depois ao Riachense), 9-3 ao Marítimo, 5-0 ao V. Setúbal. Acanhada só a vitória na final: 2-1 ao Atlético. Arrasador, o campeonato de 1949-1950 em que esfarelou os Cinco Violinos do Sporting - e ainda mais eternidade ganhou na Taça Latina.
4. Ganhou-a ao Bordéus na finalíssima. Aos nove minutos, Kargu marcou golo. A escassos segundos dos 90, Arsénio empatou. Meia hora de prolongamento, sem golos - e novo prolongamento. Com noite a insinuar-se, a bola foi parar ao fundo da baliza. O cronómetro estava nos 134 minutos: Moreira rematou, Julinho trocou-lhe de raspão - e foi golo! Corona desmaiou em campo, de cansaço, de charola foi para os balneários. Despiram-no, descalçaram-no, puseram-no no duche, só lá despertou - e ao cabo de meia-hora ainda não falava. Jacinto, que jogara a última meia-hora com um pulso partido, sofria a dor - e a ele, o treinador da Taça Latina, apanharam-lhe, a fugir-lhe da fleuma britânica, o clamor: «Em 20 anos de futebol nunca vi coisa assim» - era o júbilo borbulhar pelas cabinas em seu redor (e, ainda mais, lá fora, pelo vale a espalhar-se...)
5. Foram os benfiquistas para digressão de mês e meio por Angola, Moçambique, Transvaal e Congo Belga, antes do arranque do campeonato da 1950/51. No Lobito encantou-se com José Águas, não descansou enquanto não lhe deram a garantia de o trazer de ponto com a demais equipa. Não, não revalidou o título de campeão, voltou a ganhar a Taça com 5-1 à Académica.
6. Com 1951 a correr para o fim (e a luta com o Sporting ao rubro) partiu para Inglaterra, sem dizer água vai. Cresceu rumor de que se devera a súbito surto de ciúmes - por ver a mulher, de uma «sensualidade desarmante», cortejada a todo o instante («até por um ou outro jogador mais atrevidote»). Por finais, de Fevereiro reapareceu, sorrateiro, jurando que a sua ausência de devera a problemas com o visto no passaporte - que fora só isso, não fora nada do que se insinuara na boataria da cidade. Perdoaram-lhe o desconcerto, pegou na equipa contra o Sporting - era o jogo do título, por 2-3 o perdeu. (A Taça, voltou o Benfica a ganhá-la: 5-4 ao Sporting).
7. Lançara o Benfica ao futuro transformado o tradicional 3x3x5 em 3x2x5 - e regressou à zona sul de Londres, abrindo hotel por lá: «No futebol, dediquei-me apenas a olheiro». Num assalto à sua casa ficou sem todas as medalhas que ganhara - e em Fevereiro de 1974, reportagem de Jorge Schnitzer em A Bola, mostrava-o em drama maior: a viver numa roulotte em Monsanto (com um poster do Benfica à porta) - a Portugal regressara dois anos antes, desafiado pelo Atlético (salvando-o da II Divisão).
8. Para colocarem Fernando Mendes no seu lugar, cortaram-lhe o ordenado e atiram-no para os juvenis: «O que Atlético pagava já não dava par alugar casa, apareceu a roulotte que a Mrs. Mascarenhas tinha em Monsanto para alugar, foi a solução que me restava» (revelou-a com um sinal de amargor).
9. Emocionado com a reportagem de Jorge Schnitzer, João Gago da Câmara, presidente da AF de Ponta Delgada - levou-o para lá «a fim de desenvolver o futebol jovem». Só deixou os Açores quando, atacado por uma «doença implacável» o trouxeram a hospital de Lisboa - onde morreu no dia 18 de Janeiro de 1989 (e enterrado foi no Cemitério dos Ingleses, à Estrela...)"
António Simões, in A Bola
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