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quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Uma história do desporto em três actos

"No desporto, os protagonistas promovem almoços grátis onde não se olha o dente do cavalo generosamente dado pela população.

As estatísticas do desporto. Num tempo de métricas, dos rankings do PISA aos Eurobarómetros que o país discute nos media, os governos evitam avaliar o desempenho das políticas do desporto. Ao não medir os resultados das suas políticas, não prestam contas do que fazem no sector.
As estatísticas europeias existem e demonstram que as condições que a população tem para praticar o desporto produzido pelas organizações nacionais são das mais difíceis na Europa. Os governos nacionais parecem aproveitar-se da nossa iliteracia desportiva, enquanto os outros governos europeus promovem a literacia do desporto.

Primeiro acto – de 1990 a 2004.
Neste período os parceiros desportivos criticam as leis de bases do desporto que destroem a produção associativa desde os clubes na base, às federações no topo. O desporto cresceu sem princípios, destruindo valor desportivo em vez de cuidar do crescimento orgânico sustentável avaliado pelas estatísticas do desporto. As estatísticas europeias da actividade desportiva demonstram que Portugal cresceu menos do que outros países, o que significa que divergiu face à média europeia. Na sua origem está a inviabilização da concorrência monopolística das federações e dos clubes desportivos favorecendo os cartéis, a empresarialização, as startups, as selfies do regime. Este modelo liberal assumido pelos ministros das Finanças é incomportável orçamentalmente. A destruição dos departamentos e instrumentos públicos que deveriam promover o bem-comum através do desporto impede a capacidade de boa decisão de política da parte dos governos que fazem nomeações sem princípios e rigor, cujo desempenho coloca Portugal na cauda europeia.

Segundo acto – de 2005 a 2017.
A austeridade chegou ao desporto com o fim do Campeonato Europeu de Futebol de 2004 e nunca mais parou, piorando com a devastação da administração pública do desporto e o desaparecimento do sector nos media como um dos pilares do desenvolvimento nacional. O futebol é um furacão de ruído diário que a todos atormenta. Os seus líderes pedem intervenções superiores e a resposta é um absurdo institucionalizado, para gáudio do negócio do ruído. O associativismo desportivo aceita o subfinanciamento crónico, pela “liberdade” que pensa ter, da má moeda da política pública, e não quer investigar a origem da sua falência, desportiva e económica. A lei de bases errada e os princípios liberais de empresarialização do todo desportivo casam bem com os cartéis do regime que capturam as rendas do já magro financiamento público ao desporto português, o qual, na economia europeia, coloca os parceiros privados nacionais em níveis de falência técnica. Todos perdem, seja a população, o que aos governos não interessa, seja, por exemplo, a Sonae ou a Jerónimo Martins, o que se desconhece. O financiamento da produção está ao nível dos países de Leste, com uma estrutura de custos muito superior e sem a tecnologia de produção de desporto desses países. A máquina de exteriorização de benefícios para os cartéis do regime é promovida pelas leis do desporto e pela actuação dos governos do para “além da troika” que nunca esteve na base do sucesso desportivo europeu.

Terceiro acto – Ruína e perdas de oportunidade.
As actuais políticas públicas de incentivo às startups, escolinhas e eventos efémeros, incluindo as selfies com o macho-alfa mundial, são o culminar de um processo de deslaçamento do desporto português, que governos responsáveis teriam atalhado, há muito e consensualmente, pelo menos, com parceiros associativos que fossem activos. O associativismo desportivo perdeu no início do século a oportunidade de se reformar embalando a reforma política do desporto com o sucesso do Euro 2004. Em 2016, o futebol venceu o Campeonato Europeu de França, cujo sucesso, entretanto, o desporto e os governantes esboroaram política e socialmente.

Moral da história, estatísticas e princípios.
Existe um débito grave de política pública no desporto. Os desafios do desporto estão no uso das estatísticas para demonstrar a correcção da aplicação dos princípios. Politicamente acena-se com o paradigma da austeridade quando com políticos inteligentes, de início, as reformas desportivas urgentes teriam um custo financeiro que governantes sensatos aceitariam e que, depois, gerariam resultados positivos mais do que proporcionais face ao investimento inicial. Os países europeus programam os ritmos de crescimento do bem-estar da sua população obtido através do desporto. No seu pouco saber, os líderes desportivos afirmam que a “geringonça” só permite fazer coisas pequenas, queimaram meia legislatura, sem conceberem uma única reforma. Afirma o político reticente: se os resultados no futebol surgem, por exemplo, os do macho-alfa mundial e o Porto ou o Benfica serem campeões, então as políticas públicas são boas! A realidade é que, no desporto, os protagonistas promovem almoços grátis onde não se olha o dente do cavalo generosamente dado pela população."

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