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terça-feira, 7 de novembro de 2017

Futebol? Adoramos o cheiro a napalm pela manhã!

"Consegues cheirá-lo, rapaz? É napalm, filho! Nada no mundo cheira assim. Adoro o cheiro a Napalm pela manhã!
Colonel Bill Kilgore tem de estar a falar do futebol português depois de mais uma jornada. O nosso Apocalypse em rectângulo à beira-mar plantado, repetido vezes sem conta, até não haver mais nada para queimar, nem sequer a própria pele, entre apitos finais e pontapés de saída.
O meu futebol mistura-se com os perfumes das castanhas assadas embrulhadas em papel-de-jornal-desportivo-para-espreitar-depois e da terra molhada. Com os sorrisos traquinas de mãos dadas aos dos pais. A olhar constantemente para cima, à espera de que os coloquem aos ombros e lhes permitam ver o resto do mundo, para lá do que sempre conheceram. Os carros estacionados nos montes, e a peregrinação lenta, degustativa, para as bancadas. As famílias à conversa, o local de encontro, os comentários de treinador de circunstância. Os lamentos. As memórias. O orgulho.
As bocas, sim. Havia bocas. Normal.
Lembro-me. Ainda me lembro das imitações feitas nos pelados, às vezes em alcatroados, outras rugosos e assassinos passeios de calçada. A corrida escadas-abaixo a desafiar a gravidade, d.M. Depois de Maradona.
Viram? Vocês viram aquilo?
O génio. Que se lixe a mão de Deus. Esse puño apretado, gritando por Argentina.
Aí, depois do quem-escolhe-quem e do pedra-papel-tesoura, não havia video-árbitro. Ou árbitro, sequer. Não havia super-slow-motion, ou apenas slow motion. Nem repetições. Apenas uma bola, o gostar de a ter nos pés, e o repetir do que se sonhava, e que nos fazia adormecer tranquilos.
O travo a napalm, sentem-no? A terra queimada, a cultura desportiva destruída. A falta de respeito constante, involuímos em vez de evoluir. Implodimos em vez de explodir.
Não poderíamos ser inocentes para sempre. Não poderíamos nunca morrer puros, mas deixámos escapar o que nos fazia gostar do jogo. A beleza, a arte, a qualidade, o génio. Tornámo-nos resultadistas por convicção, a todo o custo.
As famílias desagregaram-se, por cautela. Substituímos adeptos por facções armadas, com e sem uniforme. Trocámos o golo pelo penálti não marcado, a jogada pelo fora-de-jogo, a grande defesa pelo frame. O nosso futebol é feito de super slow motions constantes, imagens paradas, jogos intermináveis. Duram dias sem fim. 
A verdade desportiva que tanto se defendeu é apenas uma meia-VARdade. De que vale tentar levantar uma casa sobre areias movediças? Que verdade pode existir sem cultura desportiva?
O cheiro a napalm nas redes sociais. Bots e trolls, trolls e bots, a tentar influenciar, a passar a mensagem. Ai de quem! Perdeu-se o interesse de pensar pela própria cabeça, as ideias já nos chegam mastigadas. Dirigentes a substituir treinadores nas salas de imprensa, presidentes e directores de comunicação ao desafio no Facebook, contas restritas para fazer chegar posições estratégicas aos jornais. A terra um deserto de cinzas, onde nada florescerá tão cedo. Mais do mesmo, onde cada vez é mais difícil respirar.
Futebol? Ainda sinto um cheiro leve a castanhas assadas."

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