"Nas últimas semanas fomos confrontados com um caso que acabou por fazer cair um governo. A confiança naqueles que nos lideram, em diferentes áreas, é cada vez menor. O desporto não é diferente, aliás tem sido pelo desporto que muitos acabam por ganhar exposição mediática que lhes permite chegar mais tarde a cargos de outra dimensão e responsabilidade. As ligações entre a classe política e o poder no desporto são cada vez maiores.
A indústria do desporto tem vindo a evoluir e a exigir que os clubes se profissionalizem e criem estruturas com capacidade de corresponder aos valores do desporto e que sejam do agrado dos fãs. A transparência, credibilidade, seriedade ou inovação devem estar sempre presentes. Em Portugal, esta evolução tem sido lenta, com muitos vícios ainda por desfazer, mas a pressão e exigência dos adeptos/sócios é cada vez maior. Com as eleições da FPF e do FC Porto, 2024 pode ser um marco no desporto nacional e, em especial, na forma como se aborda a indústria do futebol em Portugal.
Sporting
A entrada de Frederico Varandas no Sporting foi um marco para o clube leonino. Goste-se ou não do estilo, há um antes e um depois de Frederico Varandas. A invasão da academia de Alcochete foi um acontecimento que teve o condão de obrigar a uma revolução na estrutura organizacional do Sporting. O presidente do Sporting teve esse mérito. Cortou com o passado e com vícios existentes. Teve a sua oportunidade e pensou pela sua cabeça. Cometeu e continuará a cometer erros como todos nós mas, neste momento, o Sporting é um clube estável e com noção da importância que tem no panorama desportivo nacional.
Varandas definiu uma estratégia e seguiu-a. Apesar de os resultados desportivos serem fundamentais para sustentar o crescimento do clube e para validar o caminho seguido, os adeptos também estão cada vez mais exigentes e atentos à forma como se gerem os recursos dos clubes, até porque percebem que uma má gestão irá, mais tarde ou mais cedo, ter influência na componente desportiva. Um dos maiores méritos que atribuo a Frederico Varandas é que, ao contrário de tantos outros, não está no futebol para se servir, mas sim para dar o seu melhor. Se o seu trabalho for bem feito, a valorização e o reconhecimento serão a consequência óbvia.
Benfica
Rui Costa foi eleito há dois anos. Pelo seu passado futebolístico, dimensão e pelo carinho que tem dos sócios do Benfica, teve carta branca para definir o caminho a seguir. Teve a oportunidade de dar um passo em frente, de cortar com o passado, sem nunca o desrespeitar até porque também fez parte dele. Em vez de assumir essa cisão, preferiu levar consigo a estrutura que vinha de trás, que estava associada a Luís Filipe Vieira e à sua forma de trabalhar. Continua a permitir que a máquina dentro do Benfica vá crescendo e se vá alimentando dos recursos. Não criou a sua equipa de confiança e não deu um rumo novo.
Ao não o fazer permite que, internamente, as lutas continuem, que cada um rume para seu lado sem que o clube tenha a estratégia, visão e transformação que são necessárias para acompanhar a evolução da indústria do futebol.
Outro fator importante é o rigor e racionalidade que têm de existir nas grandes empresas. O descontrolo dos custos operacionais, bem visível no último relatório e contas e o aumento do orçamento associado ao futebol, sem o respetivo aumento das receitas operacionais, demonstram uma gestão de risco, demasiado dependente dos resultados e que a médio/longo prazo poderá não ser sustentável. Ao não assumir o corte com o passado Rui Costa manteve os vícios, as ligações, a opacidade, a pouca transparência e não contribuiu para a credibilidade e transformação que o clube e o desporto necessitam.
FC Porto
O reinado de Pinto da Costa à frente do FC Porto está a terminar. Isso ficou bem visível nos tristes acontecimentos da última Assembleia Geral. Vimos uma administração agarrada às suas cadeiras, sem esboçar uma reação perante os acontecimentos mesmo tendo à sua frente sócios a serem coagidos, insultados e agredidos.
Todos percebemos que esta administração está agarrada ao poder e que fará tudo para o perpetuar. Se em outros anos tudo ia andando, porque o endeusamento do presidente do FC Porto chegava para justificar tudo o que se passava, a realidade é que a perceção dos adeptos e sócios azuis e brancos foi mudando. A atenção dos adeptos deixou de se centrar apenas nos resultados desportivos. Hoje, todos estão atentos à forma como se gerem os recursos (limitados) das SAD e todos têm a noção que essa gestão acaba por ter influência no desempenho desportivo.
É muito difícil conseguir explicar a degradação do património do FC Porto nos últimos 10 anos, com tantas e tantas vendas de elevado valor e excelentes participações na Liga dos Campeões. Já não é só o modus operandi que está em causa, é também a incapacidade para gerir um clube com a dimensão do FC Porto.
No meio do caos vivido na última Assembleia Geral, houve um ponto bem positivo: os sócios querem mudanças, não se acomodam e, em conjunto, lutam contra os poderes instalados. A comparência em força na AG é a demonstração da vivacidade e dimensão do clube. Todos percebem que o FC Porto necessita de se modernizar, de ser mais transparente, de ter boas práticas de gestão, de ser um clube do mundo e não apenas de uma região e de ter alguém que queira servir o clube e não servir-se dele.
André Villas-Boas marcou presença e o seu discurso foi neste sentido: «Quero dar passos seguros, transparentes e fortes, suportados em equipas de rigor, de alto nível e credibilidade, porque é o que o FC Porto merece. Quando tiver as minha listas fechadas e o projeto completo, apresentarei a minha candidatura.» Esta forma de estar não significa que o FC Porto perca cultura ou exigência, pelo contrário. O que Villas-Boas pretende é desenvolver o clube, transformá-lo, sem nunca esquecer os seus valores como a garra, atitude, crença ou união. A defesa do clube nunca estará em causa e será compatível com o desenvolvimento do futebol em Portugal.
FPF
Em 2024 haverá eleições na FPF. Depois de muitas coisas que foram bem feitas no seio da federação, a realidade é que percebemos que, com o passar dos anos, o conforto do poder não traz coisas positivas. A entrevista de Fernando Santos a A BOLA demonstrou isso mesmo. Referiu que foi o presidente da FPF, Fernando Gomes, a propor um contrato de trabalho de prestação de serviços. Ora, depois destas afirmações contundentes por parte do ex-selecionador, o mínimo que se esperava era que a FPF se pronunciasse sobre o caso. Pelo contrário, ignoraram por completo esta situação.
Aqui percebemos dois pontos importantes: o pensar que estão acima de tudo e todos pelo que fizeram no passado, ou seja, não têm de dar justificações a ninguém; o segundo ponto tem a ver com a incapacidade de assumir a responsabilidade ou o erro. Esta falta de transparência mina a credibilidade de uma instituição que se quer imune a desconfianças.
Numa fase em que sabemos que vamos organizar o Mundial-2030, o que pretendemos é ter uma FPF transparente, coerente, aberta e capaz de nos explicar as suas decisões de uma forma natural, algo que não tem acontecido.
Existem vários candidatos a posicionarem-se para as eleições do próximo ano. Pedro Proença é, talvez, aquele que está em melhor posição. Para dar esse passo, deverá conseguir explicar de uma forma genuína e transparente o motivo pelo qual irá abandonar a presidência da Liga no momento mais importante da instituição (negociação dos direitos centralizados de TV). Em simultâneo, deverá ter a noção de que não basta parecer, é importante ser. Será importante que mantenha longe pessoas que estiveram (ou estão) associadas ao que de pior se passou no futebol português e na sociedade civil. Se conseguir ultrapassar estes dois pontos, pela sua visão e disciplina financeira, poderá ter as portas abertas para a FPF e promover o rejuvenescimento que se pretende."
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