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sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

A alta competição e a maternidade - nada é incompatível


"Um dos grandes dilemas das atletas continua a ser escolher entre a sua carreira na alta competição ou uma paragem para serem mães. Este dilema pode ser bastante prejudicial à sua performance, pois, no caso de escolherem adiar o chamamento materno, essa decisão pode deixá-las psicologicamente afetadas pelo facto de não estarem a seguir uma vontade que têm, intrínseca; mas, no caso contrário, ao decidirem optar por abrandar o ritmo e dedicarem-se à família, podem perder competições importantes e mesmo o ritmo de treino e trabalho necessários para chegarem ao topo.
Assim, partilho com os leitores a minha experiência.
Na verdade, desde muito nova que sou de certa forma obcecada pela organização do meu calendário e, consequentemente, dos meus objetivos, sejam eles de curto ou longo prazo. O que à primeira vista parece ser uma qualidade pode também ser um motivo de frustração, caso os passos a que me proponho não me levem ao fim desejado. No entanto, sempre foi a minha forma de viver e o meu motor, seja a nível pessoal, profissional ou desportivo. Foi dentro de um calendário preenchido que aprendi a viver e a construir degrau a degrau a minha carreira, mesmo por vezes não sendo fácil para os que me rodeiam.
Apesar de sempre ter desejado ser mãe, até ao ano passado a minha vida pessoal não mo tinha ainda permitido. Da mesma forma que, apesar de sempre ter tido como máximo objetivo participar nuns Jogos Olímpicos, até ao ciclo olímpico passado não tinha conseguido conjugar a forma física do meu cavalo com as datas de qualificação.
Ora, acontece que, por coincidência, tudo isto se tornou possível em simultâneo, o que me poderia ter deixado desorientada perante este dilema. No entanto, talvez por inconsciência, ou até um pouco de loucura da minha parte, a decisão maternidade vs. competição nunca esteve em questão, e decidi abraçar os dois objetivos em simultâneo, sem questionar. Comecei a construir uma planilha mental em que as datas se encaixavam na perfeição: entrar nos Jogos Olímpicos grávida de dois ou três meses, fazer o período de descanso pós-Jogos durante a gravidez (em que não há competições de maior importância), esperar o nascimento do bebé no início da época e ainda recuperar a tempo de começar a treinar e ser convocada para o Mundial do ano seguinte. Assim sendo, a gravidez não me iria fazer perder nenhum campeonato importante.
Com estes planos em marcha, tudo foi rolando e exatamente na mesma semana em que recebia a convocatória para a equipa olímpica de dressage, tive nas minhas mãos o teste de gravidez positivo. Apesar de estar a sair tudo como planeado, confesso que nesse momento senti um calafrio e algum medo, mas que rapidamente foi superado com objetividade e foco nos treinos.
Para mim tudo isto parecia lógico, mas como partilhar isto com a minha família, sem correr o risco de acharem que eu estava a exagerar e a correr riscos?
Decidi então apenas partilhar este desejo com o meu marido e com a minha assistente.
Fui bastante afortunada, pois todas as variáveis que não podem ser controladas correram bem. Apesar de estar preparada física e psicologicamente para ultrapassar as dificuldades inerentes a uma gravidez, tive a sorte de não ter enjoos, nem nenhum sintoma que condicionasse os treinos nem a performance. E assim segui para Tóquio com a minha Rosarinho na barriga.
Durante a competição tive o apoio incondicional das únicas pessoas que sabiam e com muita disciplina de treino, alimentação, hidratação e descanso consegui ter uma boa performance, que me permitiu contribuir para a conquista do Diploma Olímpico pela Equipa Portugal, em dressage.
No final das provas dei a boa nova aos meus pais e ao nosso chefe de equipa! Para além da felicidade pelas conquistas desportivas, todos ficaram eufóricos com a notícia da chegada de um “bebé olímpico”.
Com o regresso a Portugal, tudo continuou a correr lindamente e, mais uma vez, tive a sorte de os planos se continuarem a cumprir. A Rosarinho nasceu cheia de saúde em fevereiro e, tal como planeado, passado um mês estava a treinar, e passados dois meses a competir, o que me permitiu chegar a agosto ao nível de representar mais uma vez a minha bandeira no Campeonato do Mundo.
Sim, tive sorte de ter uma gravidez tranquila e de ter corrido um risco que acabou por correr bem, por isso agradeço a Deus todos os dias por ter estado mais uma vez ao meu lado. Mas tenho a certeza que se não fosse a força do meu desejo profundo para conseguir conquistar estes dois objetivos, aliado à perseverança, dedicação e estofo competitivo, nunca teria conseguido.
Sigam os vossos sonhos. Nada é incompatível."

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