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domingo, 20 de novembro de 2022

Nunca será “apenas” futebol


"O futebol nos faz ver camadas nossas que nem sempre conhecemos – e que nem sempre gostamos de descobrir. O futebol une com a mesma força que separa, abraça com a mesma força que rejeita.

Domingo começa o Mundial – ou Copa do Mundo, de acordo com cada variante lusófona. Camisas de seleções começam a povoar as ruas em diversos países. Encontros entre amigos começam a ser marcados. Polêmicas nos ambientes de trabalhos e nas escolas se instauram, sobre liberar ou não trabalhadores e alunos para assistir às partidas. Faz sentido? Não faz?
Muita gente minimiza a importância do evento, diz que é, sobretudo, um evento a serviço de grandes interesses econômicos e políticos – o que não deixa de ser verdade sob um certo ângulo. Mas quando dizem que é “apenas” futebol, sinto a obrigação de dizer: nem no mundial, nem em nenhum outro torneio é “apenas” futebol. Futebol e “apenas” são duas palavras que não combinam.
Recentemente fiz uma palestra na semana de compliance do São Paulo Futebol Clube, time para o qual torço desde antes de nascer. Lágrimas vieram aos meus olhos quando iniciei minha fala, lembrando das tantas partidas que assisti naquele estádio, de quantos gritos dei naquelas arquibancadas, mas sobretudo de quanta união aquele brasão, aquelas cores e aquelas memórias representavam entre meu pai e eu, nos abraçando emocionados a cada gol.
Nunca é “apenas” futebol. É sempre muito mais complexo e muito mais profundo do que isso. O futebol desperta lembranças, instintos, histórias, paixões. O futebol nos faz ver camadas nossas que nem sempre conhecemos – e que nem sempre gostamos de descobrir. O futebol une com a mesma força que separa, abraça com a mesma força que rejeita.
Lembrar dos torneios de 2018, 2014, 2010, 2006, 2002, 1998, 1994, 1990 e por aí em diante é lembrar de pessoas. De momentos. As tranças que amarrei com elásticos verdes e vermelhos nos cabelos da minha ex enteada em Lisboa, em 2018. Minha solidão num quarto de hotel de Madri no 7×1 do Brasil em 2014. As festas no jóquei com samba e cerveja que ia com minha irmã em São Paulo para assistir as partidas de 2010. Minhas lágrimas em 2006, quando vivia em Paris e entrei num vagão de metro lotado de franceses com minha camisa amarela, logo após a eliminação do Brasil pela França. Minha comemoração do penta nas ruas de São Paulo com meu irmão num domingo de sol de 2002. O ar de inconformismo do meu pai na casa de um amigo em Vitória, nos Espírito Santo, com a eliminação do Brasil de 1998. Meu avô, poucos meses antes de morrer, comemorando o tetra comigo, aos 6 anos de idade, em São Paulo em 1994.
Não é sobre regras e camisas e ângulos e lances. É sobre pessoas, sobre afetos, sobre memórias. É sobre construirmos em 2022 as memórias que carregaremos para 2026 e para os anos subsequentes. É sobre criar os momentos para nossas crianças se lembrarem no futuro, como eu sou capaz de me lembrar hoje, com afeto e gratidão à família e aos amigos. Não é “apenas” sobre futebol. É sobre vida, sobre história, sobre optar por celebrar de alguma maneira ou sobre simplesmente dizer que é “apenas” futebol."

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