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sexta-feira, 4 de março de 2022

A queda de João Mário | SL Benfica


"Para ti, o que originou a queda do rendimento do médio português?

João Mário perdeu gás e poderá ser essa uma das explicações para a queda encarnada em 2021-22. A forma como foi gerido traduz mais um planeamento errático da temporada pelos responsáveis encarnados, uma tendência que se vem consolidando e que ajuda a explicar a seca de títulos nas últimas temporadas.
Até pelo peso de um investimento que se supunha mínimo face à sua qualidade (e afinal ‘só’ uns simbólicos 5,5 milhões de euros ficaram perdidos entre intermediários…) e pelas promessas de um futebol mais racional, mais cerebral e com outro estofo. Que apareceu, mas foi sol de pouca dura.
Comecemos pela responsabilidade acrescida que lhe foi entregue – quase como se dos seus pés nascessem (histéricas) certezas da consumação de um título – que se o consegue em Alvalade, conseguiria mais facilmente na Luz.
Jesus chamou-o, apelou à admiração do jogador pelas suas ideias e pelas memórias que construíram juntos – João Mário faz a melhor época da sua carreira às suas ordens – e entregou-lhe as chaves do meio-campo, complementando o porteiro Weigl e ambos suportados por um tridente de betão: o que lhe daria, em teoria, ainda mais liberdade que a proporcionada pelo esquema de Amorim.
Parecia cheque-mate em contexto nacional: sacar o maestro do campeão e introduzi-lo num onze ainda mais maduro, com a presença de mais internacionais e jogadores de renome. Não tinha como não resultar. As rotinas do 3-4-3 trazidas da equipa anterior complementariam as rotinas ‘jesuítas’ gravadas de outros tempos. Fórmula instantânea de um inevitável sucesso. Ou assim se pensou.
João Mário entrou sim de caras e levou o SL Benfica à fase de grupos da Champions, objectivo primordial. Só em agosto, por força das pré-eliminatórias, as águias jogaram oito partidas – João Mário fez sete, ou 519’. Num mês.
Já setembro veio um nadinha mais aliviado, mas não muito. Seis joguinhos, nos seis participou João Mário de início: ainda que só tenha cumprido os 90’ em dois deles – o suficiente para assegurar resultados positivos (o SL Benfica não perdera ainda um jogo sequer). Mais 473 minutos cumpridos.
Chega outubro. Apesar de uma semana de descanso, cumprida entre os dias 9 e 16, o SL Benfica não sossegou no resto do mês – sete jogos, cinco deles em mais uma série diabólica: nos dias 16, 20, 24, 27, 30. Cinco jogos em quatorze dias, sete no total do mês.
E João Mário? Mais sete titularidades, 545 minutos. Ao todo vamos em quantos? 1537′, apenas uma ausência – folga dada por Jesus na primeira jornada do campeonato, metida entre os confrontos com o PSV. Compreensível.
Entrando em novembro, inicia-se o processo de canonização do mártir. Tanto jogo só podia dar mau resultado. Dia dois ainda vai com a equipa a Munique perder 5-2 e cumprir 77 minutos. Mas nesse fim-de-semana, na Luz, não dá para mais: num jogo que até acabou por correr muito bem ao SL Benfica e ao seu substituto, Paulo Bernardo, João Mário sai tocado aos 23 minutos da primeira parte.
O corpo ressentira-se de tanto esforço. Nesse mês, a acalmia no período de jogos – apenas cinco – foi conveniente. Era obrigatório descansar. Nem sequer é chamado para o confronto da Taça de Portugal, dia 19, e é suplente utilizado nos outros dois. 206 minutos ao todo. Ufa! Mas era preciso voltar à guerra. A orquestra não era a mesma sem o maestro.
Mas o maestro também já não era o mesmo, porque a cabeça queria, mas o corpo talvez já não respondesse da mesma forma.
Tanto assim foi que ainda cumpriu seis titularidades nos sete jogos que a equipa fez em dezembro, ainda que tenha sido substituído em cinco deles, consecutivos, numa sequência curiosa: nos primeiros dois sai aos 73’, nos outros três aos 66’. Os números denunciam um qualquer plano – João já requeria uma gestão física muito mais cuidada.
Porém, dia 28 sai o seu mestre. O episódio da rescisão amigável entre Jesus e clube traz Nelson Veríssimo à tona como treinador principal, com ideias em tudo diferentes: o sistema de três centrais sai de cena, acaba-se a proteção extra à parelha ‘empantufada’ da intermediária.
Mudam as rotinas, exige-se muito mais aos dois em termos táticos – a equipa ressente-se, naturalmente, os resultados irregulares acabam por expressar a queda intermitente de João Mário – mas que no mês de janeiro continua enquanto titular. Faz cinco em cinco jogos, ainda que só tenha completado dois. Foram 428 minutos, dentro da média.
Na entrada em fevereiro complica-se tudo: João Mário é infectado por Covid dia três e demora naturalmente a recuperar. Desde aí (ou desde a final da Taça da Liga, a 29 de janeiro, melhor dizendo), nenhuma titularidade – em seis jogos, apenas três vezes participou como suplente utilizado, num total de 90 minutos. Naturalmente, numa evidente baixa de rendimento.
Contas totais até março? 2600 minutos repartidos por 36 participações. 24 vezes em que foi substituído, que mesmo assim não ajudaram a preservar os recursos físicos.
Se com Nelson Veríssimo foi apenas titular em metade dos 12 jogos (entrando no decorrer doutros três), com Jorge Jesus os números fazem-nos perceber bem a sua importância no sucesso – principalmente a caminhada europeia – daquele SL Benfica, onde participou em 27 de 30 jogos do técnico ao comando.
Desses 27, 26 foram a titular, conseguindo aí as estatísticas que apresenta até agora: três golos e cinco assistências. A última delas foi na vitória por 7-1 frente ao Marítimo. Íamos a 19 de dezembro.
É uma catrefada de números. Só portentos físicos não se ressentiriam desta carga. Percebemos o alcance deste registo quando comparamos com o ano transato. João Mário cumpriu, em 2020-21 e ao serviço do Sporting, na totalidade da temporada, 2333 minutos distribuídos por 34 presenças.
Ou seja, em março de 2022, o jogador já cumpriu mais jogos que no decorrer da temporada transata! Até à jornada 24 – aquela que nos encontramos à data de redacção – João Mário levava 20 jogos no campeonato.
O Sporting CP não competia em provas europeias fruto de um acidente chamado LASK e os principais substitutos para a posição ‘8’ – Matheus e Bragança – levavam também eles número considerável de jogos nas pernas. O primeiro acumulava 21 jogos (10 titularidades e 11 como suplente utilizado) enquanto Bragança contava 12.
No SL Benfica, Paulo Bernardo e Adel Taarabt aproveitam agora a fragilidade do concorrente direto para se sobreporem à mediania geral. O primeiro, principal beneficiado desta situação, leva 14 jogos (6+8), ou 1430 minutos, dando razão às grandes esperanças no seu talento.
O marroquino acumula 32 jogos (10+22), número enganador face aos minutos – ‘apenas’ 1004, mas durante os quais tem dado mostras de ser o elemento mais esclarecido do plantel no último terço, sobretudo à medida que vai ganhando confiança com a recente sequência de titularidades.
Mas a grande maioria desta participações foram cumpridas nos últimos dois meses. Adel Taarabt, por exemplo, foi titular seis vezes até fevereiro. Paulo Bernardo só fez 67 minutos com Jorge Jesus – ou seja, os seus números são já do reinado de Nelson Veríssimo, a partir de janeiro.
Uma gestão quase aleatória das soluções para a posição, situação sempre resolvida pelas circunstâncias do momento e nunca por um planeamento a longo prazo.
João Mário, torturado pela sobrecarga a que foi sujeito, vê-se em queda nalguma da estatística. Mas não na do total de presenças, na qual só Weigl, Grimaldo e Rafa contam mais. Prova última que não é hábito para o jogador tanta correria: ainda tem quase três meses de competição para chegar às 45, seu máximo de sempre.
Faltando apenas nove para lá chegar… é muito possível. E esclarecedor quanto à preparação descuidada dos encarnados, comprometendo um jogador desta natureza física a responsabilidade de comandar o seu meio-campo numa época tão exigente – e com tanta competição. Mesmo com o extraordinário talento que possui, só em duas temporadas da carreira ultrapassou os 40 jogos."

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