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segunda-feira, 10 de maio de 2021

Superliga: Take Two


"O povo saiu à rua de norte a sul do país quando centenas de milhares de pessoas se manifestaram no 1º de maio de 1974, apenas uma semana decorrida após o 25 de Abril.
Um ano depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, exactamente um ano depois, o povo voltou a sair à rua desta vez para a primeira votação democrática em Portugal – participação de 92% dos eleitores. Viviam-se ainda as palavras do Zeca: “o povo é quem mais ordena”.
A 8 de Março de 2008 (precisamente há 13 anos) foi a vez de cerca de 90/100 mil professores saírem à rua na chamada 'marcha pela indignação'. Uma Ministra da Educação conseguiu unir todos os professores…
Pensava e continua a pensar o povo que saindo à rua será ele quem mais ordena… o que se verificou não ser verdade – veja-se o caso dos professores – porque nunca nenhuma das grandes manifestações populares se traduziu em benefícios para o próprio povo. Aliás, Noam Chomski (1) mostrou como é possível controlar-se e manipular-se o chamado “povo” através dos ‘media’.
Miguel Poiares Maduro (que passou pelo comité de governação da FIFA) foi um dos que veio a terreiro afirmar que "quem matou a Superliga não foi a UEFA, foram os adeptos e a intervenção política que a mobilização destes gerou" («Expresso», 23.04.2021, p. 32). Pura ilusão!
João Bonzinho («A Bola», 23.04.2021, p. 31) também nos veio dizer que “o futebol e os clubes são do povo e não de quem os comanda, mesmo que os compre, ou compre a empresa que integra o clube.” Pura ilusão também!
As cerca de 5 mil pessoas (fãs ou arruaceiros?) que invadiram Old Trafford no dia 2 de Maio e impediram a realização do jogo entre o Liverpool e o Manchester United não demonstraram que são elas que mandam no futebol. Já dias antes tinham invadido o centro de treinos como forma de protesto contra a decisão do clube participar na Superliga Europeia. Ora, se esta já tinha caído, por que motivo tal comportamento? Exigiam tetos salariais para treinadores e jogadores? Exigiam limites nos valores das transferências? Exigiam uma cota para o número de jogadores por equipa? Exigiam menos equipas nos campeonatos? Exigiam maior tempo de recuperação para os jogadores? Exigiam transmissões em canal aberto?
O futebol, inicialmente da burguesia, foi roubado pelos pobres, pelos operários, para depois voltar a ser roubado, mas desta vez pelos ricos. Depois de termos mostrado aqui em “Superliga: take one” (26.04.2021) que fãs ou adeptos não são mais do que meros consumidores, concluímos que o futebol já não pertence ao povo…
E quando pensávamos que estávamos sozinhos nesta cruzada, eis que aparece Álvaro de Magalhães («O Jogo», 02.05.2021, p. 48) a afirmar que viu os adeptos “todos a lutarem por algo que já perderam há muito tempo” e a referir que, sobre o que se passou, “nada disto teve, tem ou terá que ver com adeptos, que já não têm voto na matéria há muito tempo e são aquilo em que os transformaram: um rebanho dócil de consumidores passivos.”
Quererem fazer-nos crer que o futebol é dos “adeptos” ou é um puro exercício de retórica, ou desconhecimento, ou uma tentativa de manipulação.
Aliás a UEFA, ao anunciar o alargamento da Liga dos Campeões de 32 para 36 clubes a partir de 2024/2015, onde cada equipa jogará contra outras dez equipas adversárias com cinco jogos em casa e cinco jogos fora não estará a fazer mais do que a montar uma Superliga dentro da própria UEFA. Logo, o problema não estará no modelo organizacional, mas sim no controlo de um negócio que rende milhões. Como alguém disse, a Superliga já existe e tem nome: chama-se Liga dos Campeões. Aliás, o próprio Ceferin («A Bola» ‘online’, 25.04.2021) veio afirmar que “não se pode gerar menos produto e ganhar mais dinheiro ao mesmo tempo” – basta sabermos interpretar! Quando a UEFA decidir vender os direitos de transmissão da Liga dos Campeões a uma plataforma de ‘streaming’ e quando estabelecer tectos salariais os treinadores irão perceber que o seu papel será ministrar os treinos e orientar jogos e os jogadores irão perceber que o seu papel será jogar e marcar golos – e não, como aconteceu, imiscuírem-se em projectos organizacionais ou em formas de gestão. Quando a UEFA decidir controlar os negócios dos empresários ou agentes (ou intermediários), estes tentarão negociar as condições e sentirão que dependem de alguém. Os adeptos, por seu turno, irão compreender finalmente que o seu papel será o de consumidores. Estando na cauda da cadeia de alimentação, os adeptos (ou fãs, se preferirem) darão conta então que terão de assumir o ónus dos encargos, de todos os encargos…
A evolução mercantilista do desporto, ou o progresso do capitalismo se quiserem, a isso levarão. Nos Estados Unidos há muito que o modelo está em funcionamento: NFL (futebol americano), NBA (basquetebol), MLB (basebol), NHL (hóquei no gelo) e MLS (futebol) são exemplos de ligas fechadas altamente ‘sponsorizadas’ e altamente lucrativas. No futebol americano há 69 anos que nenhuma equipa abdica da competição e no basquetebol o mesmo acontece, e já lá vão 67 anos. (A propósito, constava-se que as equipas que desistissem da Superliga seriam multadas pela mesma em 150 milhões de euros. As desistentes já foram multadas?)
Restam em aberto algumas questões para as quais não conhecemos respostas, dado estarem mais ligadas ao foro jurídico. Qual o regime jurídico da Superliga Europeia: era uma associação, uma empresa, ou existiam apenas contratos estabelecidos entre os clubes iniciais? Pode a UEFA de facto castigar os fundadores da Superliga? Podem as Federações Nacionais impedir os clubes de participarem em ligas fechadas que nada têm a ver com as competições da UEFA (o que já fez a Federação Italiana)? O que diz o Direito Europeu em relação à livre concorrência no mercado? E, por último, uma outra questão: recordam-se do nome Bosman?"

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