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domingo, 23 de junho de 2019

Objectividade e outras invenções

"A ideia de objectividade é muitas vezes usada para impedir que o outro nos contradiga

Objectividade
1. «A minha análise ao jogo é objectiva», eis o que se ouve. A palavra objectividade não sai do centro da linguagem e das discussões. Palavra que parece ser uma espécie de abracadabra. Ser objectivo tornou-se no objectivo. O objectivo de um analista é ser objectivo.
A objectividade tem vários sentidos: por um lado é aquilo a que se quer chegar (o objectivo) e, portanto, reflecte alguém que vai directo ao assunto.
Por outro lado, pessoa objectiva parece ser aquela que não coloca opiniões pessoais a sujar a limpeza da observação pura, aquela que não é influenciada pelo coração, digamos assim, em fala popular.
Mas sejamos claros: não há análise objectiva de um acontecimento humano; tal como, claro, não há análise objectiva de um jogo. E evidentemente não há opinião objectiva. Opinião objectiva é uma contradição nos termos; é até um paradoxo. Divertido.
Objectividade vem de objecto: é assunto, pois, entre objectos, coisas neutras. Subjectividade vem de subjectam, sujeito.
Um objecto assume a sua objectividade, um sujeito a sua subjectividade. E está bem assim. Objectividade há nas ciências exactas, não nas actividades bem humanas.
Na verdade, a ideia de objectividade é muitas vezes usada para impedir que o outro nos contradiga. Quando alguém afirma, de modo assertivo:
- O que eu digo é objectivo,
Está, afinal, no fundo, a afirmar:
o que eu digo é verdadeiro, o que eu digo não pode ser contrariado ou não pode receber contra-argumentos.
Em síntese, quando alguém diz:
a minha opinião é objectiva
está a impedir que o outro continue, está a terminar o diálogo.
Pelo contrário, quem afirma:
- O que eu digo é subjectivo
está a assumir que há a possibilidade de contraditório, está a permitir a continuação da conversa.
Historicamente, a objectividade esteve muitas vezes ao lado da violência e das ditaduras políticas porque precisamente não permite o contraditório. O poder usa muito a objectividade.

Cinco minutos
2. Há numa frase brutal do cineasta Godard, um dos gigantes do cinema, que, numa entrevista, quando lhe perguntaram sobre a objectividade ou não dos seus filmes, respondeu:
«Objectividade? Objectividade são 5 minutos para Hitler e cinco minutos para os judeus».
Uma frase terrível que simplesmente está a dizer isto: tudo depende do lado em que estás, tudo depende do ponto de vista humano.
A objectividade não é uma questão que diga respeito aos humanos. Mas apenas às máquinas e aos deuses, bons e maus.

A palavra jornalista
3. A palavra jornalista segundo parece, claro, tem origem no francês. A «palavra anglo-francesa jornal, no século XIV, designava um livro que ficava nas igrejas, no qual se faziam registros dos serviços ali prestados» (Gabriel Perissé). No século XVI, jornal, «era um livro usado no comércio para registro de operações de compra e venda». Mais tarde, jornal recebeu o significado de diário, relato do dia individual.
Neste sentido, um jornalista que trabalhe num jornal semanal ou numa revista mensal pode ser considerado uma contradição e ir contra a velha origem da palavra. Alternativa para jornalista que trabalha com outros tempos que não as vinte e quatro horas: semanista, mensalista, enfim as opções são péssimas. Fiquemos com jornalista.
A jorna é o dia de trabalho. Jornalista, neste sentido, seria aquele que relata o dia de trabalho de outros. Mas não se confunda isso com o homem preguiçoso; o jornalista, etimologicamente, é aquele cujo o trabalho era relatar a jorna; a sua jorna seria o relato da jorna.

O que fazer?
4. Um jornalista deve ser objectivo? Não, um jornalista deve tentar usar a sua subjectividade mais verdadeira. E é só. Um jornalista deve, no fundo, ser um sujeito sério. E isso é já imenso. É o imenso a que um humano pode chegar.
Mas, claro, tudo isto é um pouco subjectivo."

Gonçalo M. Tavares, in A Bola

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