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segunda-feira, 11 de maio de 2020

Não é glorioso quem diz que é glorioso

""Sou do Glorioso". É assim que eu e tantos benfiquistas gostamos de responder a todos os que nos perguntam qual é o nosso clube. Dizer que somos do Glorioso é uma declaração de amor, muito mais do que a constatação de um facto, tal como um pai se orgulha dos feitos de um filho, ainda que esses mesmos feitos, quando comparados com os de milhares de outras crianças, sejam simplesmente banais. Tem tão só a ver com os olhos de quem vê e o coração de quem sente. O nosso Benfica é o Glorioso, gostamos de dizer, assim mesmo, à boca cheia.
Só que não é. Friamente, não é. Devia ser, pode vir a ser, tem o que é preciso para o ser, mas não o é, por muito que gostemos de achar que sim, e que encontremos justificações para o provar aos que nos contrariam. Ser glorioso não é ganhar um campeonato português meia-dúzia de vezes, não é ir a duas finais da Liga Europa e perder. Não é andar na luta, muitas vezes sem êxito, para ser campeão de futsal, basquetebol, andebol ou voleibol. Ser glorioso não é nada disso. E quando me perguntam o que é que eu gostava que o meu Benfica fosse depois desta pandemia, depois deste tempo que nos obrigou a todos a parar, e em que o próprio modelo do futebol poderá mudar para sempre, é que o Benfica retome o caminho para que se torne, de facto, no Glorioso SLB.
É inegável o trabalho de recuperação da instituição Benfica que a actual direcção tem feito ao longo dos últimos 15 anos. Não há como contrariar isso, e nenhum benfiquista de bem quer contrariar isso, porque nenhum benfiquista de bem deve desejar o insucesso ao seu clube só porque não gosta de um presidente ou de um treinador. Eu já fui à Luz puxar pelo Benfica quando tinha o Vale e Azevedo na tribuna ou o Quique Flores no banco, e nunca, por uma só vez, desejei a derrota ao meu clube só porque entendia que estava tudo mal.
Da mesma forma que não acho que os novos caminhos se tracem apenas quando está tudo mal, quando batemos no fundo. Pelo contrário. É quando se está por cima, com fulgor financeiro, com a rede de segurança de alguns sucessos desportivos recentes, que devemos começar a mudança. As organizações mais fortes são aquelas que mais vezes mudam, arriscam, testam, que nunca se conformam com pequenas conquistas do presente, e que vivem o presente a trabalhar o futuro.
Poderá dizer-se que o Seixal é um pouco isso, uma máquina de preparação do futuro. E é, também é. Mas preparar o futuro não é só isso, não é apostar as fichas todas numa só área, que por muito que demonstre ser uma máquina oleada está sempre dependente de conjunturas, e que não produz resultados certos todos os anos. Olhe-se para o Sporting. Durante décadas, a Academia de Alvalade foi uma das melhores escolas de formação do Mundo, mas isso não garantiu ao clube sucessos financeiros nem desportivos, mesmo que tenha dado a Portugal e ao Mundo jogadores como Paulo Futre, Luís Figo, Simão Sabrosa, Cristiano Ronaldo ou Ricardo Quaresma.
A explicação não se pode resumir à ineficiência das direcções que têm passado pelo Sporting, nem aos treinadores, porque mesmo que o Sporting tivesse vendido cada um destes jogadores por 100 milhões de euros isso não significaria necessariamente que o clube teria, hoje, uma dimensão nacional e internacional muito maior.
O caminho para a glória não é de uma estrada só, não tem um segredo, uma fórmula, é uma revolução global, transversal a muitas áreas, que terá sempre de passar por uma formação forte, mas precisa de muito, muito mais do que isso.
É essa rede de estradas que o Benfica tem de criar (algumas) e consolidar (outras) para ser Glorioso. A primeira de todas tem a ver com a percepção, actual, e transversal à nossa sociedade, de que o Benfica não é um clube sério. Como benfiquista, nada me dói mais do que isso. Ver, semana após semana, o nome do Benfica metido em embrulhadas jurídicas, em acusações atrás de acusações, buscas judiciárias, processos nos tribunais é algo que mancha o prestígio nacional e internacional, já que estes casos têm muitas vezes repercussões no estrangeiro.
Não acredito na ideia de que só se consegue ganhar se se fizer "o que todos fazem". Temos de ser muito maiores do que isso, muito menos mesquinhos e mais honestos do que isso. O Benfica tem de marcar o passo, dar o exemplo, demonstrar sempre que é diferente e que quer liderar essa revolução pela verdade e pela justiça no desporto. A palavra ‘desportivismo’ é hoje usada em várias áreas da sociedade e no ADN de cada letra está o espírito de quem faz desporto, ser justo, ter honra e classe a ganhar e a perder. E, uma vez mais, não é porque os outros não são assim que o Benfica tem de o ser. Ser Glorioso é estar, também no aspecto moral, cívico e judicial acima de todos, acima de qualquer suspeita.
Nenhum pai gosta de ver um filho metido em processos judiciais, uns atrás dos outros, mesmo que acredite que ele é inocente. Nenhum homem consegue gerar a percepção nos outros de que é honrado se recorrentemente estiver a ser acusado de ser desonesto. Nunca se atingirá um patamar de glória se, para os outros, essa glória for fajuta ou conquistada nos bastidores ou com jogo sujo. O argumento de que não interessa o que os outros dizem ou o que os outros pensam também é absurdo. Claro que interessa. Tem muito menos credibilidade aquilo que eu digo que sou do que aquilo que os outros dizem que eu sou. E essa credibilidade constrói-se, da mesma forma que se construiu um Seixal ou plantéis com Aimar, Saviola, David Luiz, Matic e Ramires.
É dessa base sólida e credível que o novo Benfica precisa. É aí que mais tem de trabalhar. Se juntar a isso tudo o que de bom tem sido feito não tenho qualquer dúvida de que o clube estará muito mais perto de ser o Glorioso, de aumentar ainda mais o número de adeptos, mas também de simpatizantes, porque toda a gente gosta de quem é honesto e quase ninguém gosta de quem aparenta ser trafulha. 
Como é que isso se consegue? Mantendo o foco naquilo que é importante, o desporto dentro do estádio, do pavilhão ou da pista de atletismo. Mas também investindo na contratação e na formação de atletas e não recrutando dirigentes especialistas em jogos de bastidores. Libertando-se do poder de empresários que, quais sanguessugas, usam os clubes para encher os bolsos, e que os mantêm reféns sob ameaça de mudarem o seu poder para os rivais (e que o fazem sem quaisquer pudores depois de se terem usado desses clubes). Mantendo uma comunicação positiva e não de guerrilha, que promova o desportivismo, a responsabilização interna e a exigência máxima, sem procurar bodes expiatórios nos momentos de insucesso. Abrindo o clube ao debate democrático, sem ver nos críticos moinhos de vento, porque é da discussão das ideias de todos que se conseguem encontrar os caminhos mais eficazes.
É este o caminho para a glória. Glorioso não é aquele que ganha sempre. É aquele que luta de forma honesta para ganhar sempre. Às vezes perde, e quando é de facto Glorioso sai do estádio aplaudido de pé. Por todos. Glória é isto."

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