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sábado, 8 de setembro de 2018

O crime não pode compensar

"As declarações que sublinham o papel indispensável que o desporto deve assumir perante o agudizar de tensões, de intolerância, de individualismos e conflitos étnicos, sociais, políticos e religiosos que hoje vivemos são conhecidas e recorrentes.
Muitas vezes gostamos de evocar as palavras visionárias de Mandela, quando afirmava que o desporto “tem o poder de mudar o Mundo”.
Mas frequentemente esquecemo-nos que o desporto é um produto social e nessa medida também amplifica, reproduz e acentua - em palcos de milhões - fenómenos de violência, de racismo e de criminalidade.
Se não soubermos preservar o desporto, se formos incapazes de cuidar dos seus valores e princípios fundamentais, se não salvaguardarmos a sua integridade, se o não colocarmos ao serviço do desenvolvimento social e humano conforme se encontra consagrado na Carta Olímpica todo o seu valor formativo se perde.
Porque aí o desporto vira-se contra si próprio. Subverte a sua missão essencial, descredibiliza-se irremediavelmente perante a sociedade e compromete a reputação dos agentes e das organizações que desempenham aquilo que deveria ser um relevante serviço de interesse público.
A globalização do fenómeno desportivo, a sua mercantilização alavancada por um crescente volume financeiro e interesses de cariz económico e político, tem exposto vulnerabilidades preocupantes da indústria do desporto à permeabilidade das ameaças crescentes que corroem os seus pilares fundamentais.
Diariamente somos inundados com episódios de manipulação de resultados, apostas ilegais, infiltração criminosa, corrupção, tráfico de menores, fraude fiscal, branqueamento de capitais ou tráfico de influências que usam o desporto para florescer proveitos de origem criminosa.
A integridade, não tenhamos dúvidas, há muito está posta em causa e é hoje uma das maiores, mais sérias e complexas ameaças que o desporto enfrenta. 
Maior pelo volume financeiro que comporta.
Mais sérias pela dimensão da rede de criminalidade organizada transacional que aqui opera com baixo risco e elevados lucros.
Complexas pela sua dimensão transnacional e sofisticação tecnológica.
Ora, se sabemos que esta é uma realidade que em muito extravasa a jurisdição e a regulação do desporto, devíamos ter plena consciência que urge mobilizar esforços para suster esta gangrena, pois não serão outros a fazê-lo por nós, se não assumirmos, de forma firme e decidida, uma atitude liderante.
O Comité Olímpico de Portugal tem a perfeita noção que uma ameaça global desta índole requer de imediato o compromisso intransigente e empenhado de organizações que partilhem a mesma visão reformista e preocupação face à enorme dimensão dos problemas que atravessamos.
Que cruzam as competências das organizações desportivas, mas também de governos, entidades intergovernamentais, órgãos de investigação e polícia criminal, reguladores e operadores de apostas, mas também a reputação e credibilidade de patrocinadores, operadores televisivos e demais entidades cujos investimentos e marcas estão postos em causa e manchados por escândalos.
O desporto, mais do que personagens, precisa de ideias, de esforços conjuntos e, mais do que casos, precisa de causas.
A batalha da Integridade é um processo interminável e de melhoria permanente.
Um longo caminho a percorrer, tantas vezes marcado pela frustração entre o que almejamos e aquilo que alcançamos. Marcado pelo desinteresse e alguma ignorância.
Mas à medida que avançamos temos perfeita consciência que se trata do desafio mais importante, e porventura decisivo, daqueles que gostam desporto e acreditam no seu valor formativo.
Por isso não temos receio de expor as nossas fragilidades, de trocar pontos de vista, de mobilizarmos esforços conjuntos no sentido de nos fortalecermos e passarmos uma mensagem clara: o crime não pode ter no desporto um palco privilegiado de impunidade."

Manuel Constantino, in Tribuna Expresso

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