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quinta-feira, 14 de junho de 2018

Quo vadis, Espanha

"Há quatro dias, a Espanha figurava entre os quatro favoritos do Mundial. A campanha na fase de qualificação tinha sido impecável. As excelentes actuações frente a Itália, Alemanha e Argentina devolveram o crédito à equipa, desvalorizado nos últimos quatro anos depois de ter dominado o cenário do futebol mundial. Tudo funcionava: a velha guarda (Sergio Ramos, Piqué, Busquets, Iniesta e Silva" mantinha o vigor e a sabedoria, a nova geração (Isco, Carvajal, Asensio e Koke) sentia-se por fim cómoda junto aos veteranos campeões, o seleccionador Lopetegui dirigia a equipa com uma sensatez semelhante à do seu antecessor, Vicente del Bosque, mas com mais conexão com os jovens. Mais do que uma selecção, era um mundo feliz. Agora, um dia antes do jogo diante de Portugal, a selecção espanhola é um inferno.
Nas vésperas do início do Mundial, o Real Madrid anunciou a contratação de Lopetegui, despedido da selecção poucas horas depois, no meio de uma gigantesca crise que ameaça gravemente o futuro da Espanha na competição e agita todo o tipo de fantasmas, desde os estritamente futebolísticos - Fernando Hierro, director desportivo da Federação Espanhola, sem outra experiência como treinador, à excepção da breve passagem pelo Oviedo, na II Divisão, será o treinador no Mundial - até aos problemas políticos.
A crise política na Catalunha gerou uma enorme tensão no resto da Espanha, o que desencadeou uma extrema sensibilidade em todas as questões relacionadas com a unidade da nação. O futebol não é alheio a este problema, que muitas vezes extravasa para a selecção. Gerard Piqué, catalão e jogador do Barcelona, não é independentista, mas sim partidário de um referendo na Catalunha sobre a independência. As suas críticas estendem-se à actuação da polícia espanhola no referendo convocado pelos partidos independentistas, declarado ilegal pelos juízes.
Nos últimos quatro anos, os adeptos espanhóis assobiaram constantemente Piqué em cada jogo que fez pela selecção. Em várias ocasiões chegou-se a uma inquietante crispação. Contudo, Piqué esteve em todas as convocatórias da selecção, com um desempenho impecável. A Piqué, e a tudo o que diz respeito ao Barcelona, é reservado um tratamento suspeito. Na sensível situação actual, o Real Madrid funciona como uma referência contrária ao Barcelona.
O Real Madrid não diz que é mais do que um clube, como proclama o Barcelona, mas de facto é. É a equipa mais popular, mais rica, mais ganhadora e a quem é atribuída uma representatividade que excede o futebol: o Real Madrid é Espanha. No entanto, a equipa-bandeira do futebol espanhol contratou o treinador da selecção nacional, da equipa de todos e não só de alguns. Em alguns sectores isto foi interpretado como um ato de sabotagem à equipa nacional. O jornal AS titulava "Soco na selecção". Na sua coluna de opinião, o director do jornal, Alfredo Relaño, provavelmente o mais prestigiado de todos os jornalistas desportivos espanhóis, fez outro título: "Este Madrid fabrica antimadridismo".
O despedimento de Lopetegui foi fulminante. É difícil encontrar precedentes para um caso tão escandaloso. Embora a sua relação fosse boa, a sua posição era indefensável. O novo presidente da Federação Espanhola, Luis Rubiales, ex-jogador do Levante, sentiu-se traído e um zé-ninguém nas horas que antecederam o torneio mais importante do mundo. Ninguém, nem o Real Madrid nem Lopetegui, deu conta das negociações. Teve conhecimento da contratação cinco minutos antes de o Real Madrid emitir um comunicado a anunciar o acordo com o seleccionador. Ainda que Lopetegui só quisesse abandonar a selecção durante o Mundial, o presidente da federação não o permitiu. Essas questões decide a federação e não o treinador, menos ainda um seleccionador que já é treinador de outra equipa.
Com este cenário desolador, a Espanha, antes favorita no Mundial, chega ao primeiro jogo. Espera-a Portugal, mas ninguém fala sobre isso. É tão grande o choque que o Mundial passou para segundo plano, uma aberração que convida a pensar no fracasso colossal da selecção espanhola, onde os jogadores foram as grandes vítimas deste desastre."

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