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terça-feira, 12 de junho de 2018

O papão longe do telhado e Otto à pesca...

"Pela segunda vez o Benfica jogava a final da Taça Latina. Desta vez contra o grande Real Madrid, campeão da Europa, em pleno Estádio de Chamartín. E Di Stéfano era sincero: o árbitro foi amigo dos espanhóis.

No dia 23 de Junho de 1957, o Benfica estava em Madrid. Era, para alguns jornalistas, 'o modesto campeão de Portugal'. E acabara de enfrentar 'o campeão dos campeões europeus': Real Madrid.
Nesse tempo como agora: campeão dos campeões europeus! Com ponto de exclamação.
Era muito hábito portuguesinho diminuir as nosas virtudes e comparação com os méritos alheios. Parte de uma filosofia de vida meio bolorenta que fazia crer às pessoas que aquilo que os outros conquistavam com a facilidade dos eleitos exigia aos lusitanos o trepar de uma enorme montanha de esforço.
E, neste caso, podíamos falar de um Real Madrid vencedor da Taça dos Campeões, mas falávamos igualmente de um Benfica que já tinha conquistado a Taça Latina.
Era aqui que eu queria chegar: Taça Latina.
O Benfica disputava pela segunda vez a final da prova, depois de ter batido o Saint-Étienne na meia-final.
E, em seguida, Chamartín e o Real de Muñoz, Gento, Di Stéfano e Kopa ergueram-se na sua frente como um impossibilidade.
Na véspera, Otto Glória, o treinador encarnado enfrentara a imprensa espanhola: 'Claro que o Benfica pode perder assim como pode ganhar, e até pode perder por muitos golos. O Real também já perdeu recentemente com o Reims, que não é campeão de França, e toda a gente viu como joga o Saint-Étienne. Não temos nomes famosos, mas alguma coisa se há-de fazer. Medo de papões é que não temos. E as assobiadelas também não conseguirão inferiorizar-nos'.
A velha mitologia campestre deu o mote para a canção:
'Vai-te, papão, vai-te embora
de cima desse telhado
deixa dormir o menino
um soninho descansado'...
Não haveria papão.
Ninguém tomaria de assalto o telhado dos sonhos benfiquistas.

Nomes
Otto Glória dizia que o Benfica não tinha grandes nomes. Seria melhor afirmar que ainda não tinha grandes nomes. Essa final foi a primeira para alguns que viriam a surgir noutras: Ângelo, Cavém, José Águas, Coluna.
Foram grandes nomes da Taça dos Campeões Europeus.
Não vale a pena entrar aqui em suspense à moda de Hitchcook: o Real Madrid venceu por 1-0, golo de Di Stéfano.
Dificilmente teria sido de outra forma.
Havia aquele poder acima do querer. Como hoje em dia.
Juntou, nessa época, a Taça Latina à Taça dos Campeões.
Mas não foi fácil. Nada fácil. Mesmo com tudo a favor.
Leia-se o que escreveu um dos enviados-especiais da imprensa portuguesa, Luís Alves. 'Quando uma grande equipa, como é a do Real Madrid, orgulho do futebol espanhol, quase expoente do futebol continental, afagada pelo seu influente e escaldante ambiente, favorecida pela pusilaminidade, não intencional, do árbitro, e jogando contra um adversário que está em inferioridade numérica, não consegue impor o seu método e das satisfação aos seus adeptos no funcionamento do marcador, tendo de contentar-se com a espinhosa magreza de 1-0, só há que reconhecer que na sua frente esteve um autêntico conjunto, formado com mão de mestre, constituído por homens fortalecidos por uma personalidade que não sofreu uma beliscadura. E essa equipa, que ostentava o título de campeã de Portugal, não merecia o acolhimento hostil que lhe foi feito e muito menos os vatícínios que falavam de goleadas e de qualquer coisa parecida com uma representação completa de zarzuela como vimos em letra de forma'.
Inferioridade numérica do Benfica durante cerca de meia hora.
Zezinho foi a vítima: expulso por agarrar um adversário pela camisola.
Otto Glória: 'Para qualificar o árbitro só há uma palavra que eu não quero dizer'.
Mesmo contra dez, o Real Madrid sofre. José Águas, que desperdiçar duas excelentes oportunidades no início do encontro, não atina com a baliza de Juanito Alonso.
Otto desabafava: 'As duas equipas jogaram de cara erguida, à mesma altura'.
Perguntaram-lhe: 'Se o Otto Glória tivesse uma linha avançada daquela categoria?'
E ele, sorrindo: 'Com dois desses jogadores podia deitar-me à sombra, calçando bota larga. Ou então poderia ir à pesca'.
Di Stéfano, por seu lado, reconhecia, sincero: 'Para ganharmos ao Benfica reduzido a dez ainda precisámos de ajuda...'"

Afonso de Melo, in O Benfica

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