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sábado, 10 de outubro de 2015

Os programas feios, porcos e maus

"Quanto mais rasquice mais audiência e isso sugere aos 'media' que abdiquem de quem tem mais ideias e chamem que tem mais músculo

O povo, na sua paciente e santa sapiência, costuma dizer que não é por se gritar mais alto que se tem mais razão. Porém, o povo nem sempre acerta no que diz e conforme qualquer criança de cinco anos reconhecerá, apesar do que se afirma como lei universal dos Homens, o povo também está muito longe de ser quem mais ordena.
A verdade é que nos tempos que correm e nas sociedades civilizadas, o povo é, não raras vezes, um género de animal de estimação da sociedade. Uma entidade ingénua e passiva, porque acredita estar a ser permanentemente representada sem ter que descalçar os chinelos, apagar a televisão e sair de casa para o desconforto da rua.
É este povo tantas vezes inócuo e eunuco que se planta nos sofás do mundo a ler revistinhas cor de rosa, jornalecos metediços na vida alheia, programinhas que são, de facto, tesourinhos deprimentes, o que não invalida de serem também tesourinhos de audiências e, como tal, geradores de receitas, que os transformam em virtudes absolutas e universais.
A minha significativa diferença para o batalhão de ingénuos que recrimina a nova lógica de interesse do público é que eu não a desconsidero. Ou seja: não a desvalorizo, nem me atrevo a fazer parte da nobreza frágil e desencorajada da elite dos cidadãos que lastima este povo, considerando-o apenas uma vítima dos jornais, das rádios e das televisões, a quem condenam a insensibilidade do interesse público e a ausência da vontade de educar novos e velhos num género de escola nacional de princípios e de valores.
Lamento, mas os jornalistas não são o camarada Arnaldo Matos, que se afirmava, nos seus tempos de activista político, o educador do povo e da classe operária. Em boa verdade, a missão do jornalista nunca foi a de educar.
Mas também nunca foi a de deseducar. E nisso concordo com muitos críticos que acusam um certo de jornalismo de ser conivente com os poderes constituídos, passivo com as autoridades, conformado com as inverdades mais notórias; alinhado com os sistemas mais confortáveis.
É neste quadro que olho e analiso o que se tem passado em matéria de debates rascas sobre o futebol. Eles existem num quadro de audiências que progride na razão directa do primarismo e da rasquice. Sejamos claros: a única coisa que terá faltado no último programa televisivo que teve a presença do presidente do Sporting foi que alguém tivesse andado à pancada, ou que tivesse desafiado o outro para um duelo de morte, com transmissão directa na TVI. Foi só isso que faltou, mas o que houve e o que se viu chegou para a TVI 24 ter tido uma colossal audiência e isso sugere aos canais concorrentes que abdiquem de quem tem mais ideias e chamem quem tem mais músculo. Se o não fizerem têm as audiências em risco e se tiverem as audiências em risco têm o emprego e a própria sobrevivência em risco. E como deve então reagir um jornalista ou um responsável de canal de televisão se tiver a sua sobrevivência (e de toda a sua equipa) em risco? Claro, vai para casa estudar e planear um próximo programa ao estilo dos filmes realistas italianos, verdadeiramente feio, porco e mau.
Percebe-se, assim, que ninguém possa contar com essa demagógica ingenuidade de que tudo se resolveria se os media educassem o povo. Não. Tirem todos daí o sentido. Até já há quem diga, e com forte poder argumentativo, que a educação, nem sequer deve pertencer à escola. A educação pertence à família e à casa de cada um. A responsabilidade da educação pertence aos pais e não aos professores que têm o já difícil dever de ensinar, mas não a obrigação de educar os meninos que chegam à escola sem educação alguma.
(...)"

Vítor Serpa, in A Bola

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