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terça-feira, 26 de setembro de 2023

Jogar simples é o mais difícil. Antes e depois de um susto, o Benfica simplificou


"Uma entrada de rompante no Algarve, com jogadas rápidas e poucos toques por jogador, deu à equipa de Roger Schmidt um conforto que fez o treinador mudar peças ao intervalo. O Portimonense reagiu também com tudo na segunda parte, teve um penálti para empatar, mas a redenção de Trubin iniciou o regresso do Benfica à simplicidade com que foi buscar a quinta vitória (1-3) no campeonato. David Neres marcou e assistiu

Estamos condenados a ser gotas de chuva a caírem no já molhado quando o futebol, nos dias em que não acorda com os pés de fora, presenteia quem o vê com amostras práticas das frases ditas por Johan Cruijff, uma das mais ecoadas é a de que “o futebol é um jogo simples, mas jogar futebol simples é das coisas mais difíceis que há”, no mesmo parágrafo já se usou três vezes a palavra que nos traz aqui e levou o Benfica ao Algarve para nos obrigar a repetir o balompié, como no antigamente se dizia na Espanha onde o cruijffismo deixou pegada.
Porque o Benfica, seguro e decidido, arrombou a casa do Portimonense sem pedir licença e com um futebol simples, prático e desprovido de artifícios desnecessários. Com cada jogador a dar poucos toques na bola, a equipa vinda de um desgosto a meio da semana, para a Liga dos Campeões, instalou-se no meio-campo dos de Portimão com passes simples que eram facilitados por posicionamentos espertos dos seus jogadores. Sem pressa, mas madrugadores no relógio, os encarnados encurralaram o adversário com a sua simplicidade.
Aos 5’, sem o Portimonense a lograr três passes seguidos na sua metade por erros forçados pela pressão alta dos visitantes, David Neres teve uma bola à esquerda que não cruzou, sim passou com força para a entrada da área onde estava João Mário, o suposto extremo direito e matreiro pensador, que tocou a bola de primeira para o turco Kökçü, a um metro dele. Esse uso do apoio frontal e respeito por quem está virado para a baliza deixou o turco tocar logo em Bah, o lateral que na quina da área disparou o balázio do 0-1.
Só por volta dos 25 minutos o Benfica escusou-se a residir, em permanência, no meio-campo alheio. As culpas dessa estada eram divisíveis: mostrando a pressão alta e pós-perda letal, com Florentino a abafar todas as receções daqueles primeiros passes que se tentam após a recuperação de bola, que tanto ostentou na época passada, a equipa de Roger Schmidt foi prática e simples a desenhar as suas jogadas ao mesmo tempo que o Portimonense, com a equipa toda comprimida, era incapaz de ver longe no início das suas jogadas. Carlinhos e Dener eram engolidos pela dupla de médios encarnada. E depois, as más decisões.
A do lateral direito Igor Formiga foi flagrante, ao fixar-se em Rafa com David Neres nas suas costas e o central do seu lado na marcação a Musa. Saltou ao encontro do português e piorou o problema repetido a que o Portimonense se submetia, ao querer incomodar os centrais do Benfica na saída de bola, esticando a equipa e esburacando-a. Kökçü só teve de acelerar um passe para Neres, que ofertou o segundo golo a Petar Musa, aos 17’. Os algarvios só viram para lá do seu meio-campo, com bola, quando os encarnados abrandaram um pouco na pressão, mas nem por isso resolveram logo o comportamento a defender.
As crateras de espaço foram abusados pelo Benfica até ao intervalo, em três ou quatro passes a equipa aterrava na área e Neres esbarrou em Vinicius Silvestre feita uma tabela com Rafa, o próprio pequeno e barbudo jogador usufruiu de um par de bolas de golo na cara do guarda-redes e estas ocasiões surgiram em velocidade, com lançamentos simples para o espaço, sem mastigações desnecessárias. O Portimonense sofria a bem sofrer, baliza só a viu quase como uma miragem, o capitão Carlinhos rematou a mais de 30 metros para essa bola só dar canto devido a uma abordagem mal calculada de Trubin.
Ainda antes do descanso (39’), Paulo Sérgio emendou a mão tirando o médio Paulo Estrela para ter Nildo, mais um atacante para impedir que alguém da última linha encarnada estivesse solto para se juntar à pressão mais adiante e dando um sinal à equipa - a estratégia inicial saíra furada, era preciso mudar, ver passes mais longe em vez de só perto, ter vertigem nas transições ofensivas. Houve-a, logo no regresso notou-se o ímpeto entusiástico dos jogadores do Portimonense, mais frenéticos e simplificados a procurar os atacantes quando reaviam a bola, com preferência para o veloz Hélio Varela.
Partindo da esquerda e de alvo cravado na baliza, o extremo beneficiou das trocas também feitas por Roger Schmidt, deparado com tamanho conforto no jogo do Benfica. De uma assentada, Musa, Kökçü e Bah ficaram de molho ao intervalo para o galifão de bons pés Arthur Cabral, o dínamo João Neves e o vindo de lesão Jurasek terem meio jogo em campo. As substituições significaram, em particular, a extensão de Aursnes como pão norueguês para toda a obra, indo de lateral esquerdo para direito, mais uma transmutação na vida de quem a época passada unia todas as pontas do meio-campo para a frente.
Se é factível que o endiabrado Rafa e o seu peditório constante de passes nas costas dos médios adversários o fizeram lançar, com pequenos toques, a nova parceria com Arthur Cabral, congeminando ambos um par de jogadas que cheiraram a golo, o raiar da segunda metade teve a reação intempestiva do Portimonense, que massacrou o lado direito do Benfica com Hélio Varela a ser repetidamente posto em situações de 1vs1 contra o eficiente, mas desabituado Aursnes a ter de defender aquela zona contra um driblador.
Os algarvios reduziram por esse projeto de 21 anos de desequilibrador, ele a sprintar com bola no fim de uma contra-ataque (56’) originado unicamente na corrida de Sylvester Jasper da própria área foi faca quente a cortar manteiga no verão, acelerando o ritmo de um jogo que virou louco para o outrora relaxado Benfica: pouco depois, um remate bateu no braço de Morato e houve penálti que só não atiçou ainda mais a partida porque serviu para uma pequena redenção de Anatoly Trubin. Vindo de uma fotografia pouco generosa da derrota, na Luz, contra o RB Salzburg, o ucraniano estancou com as mãos (60’) a tentativa de Rildo para a ressuscitação do Portimonense.
O susto fez o Benfica assentar, puxando o calmo e ponderado João Mário, senhor da batuta na primeira parte antes de a equipa acelerar, de novo para a génese das jogadas. A partida acabaria com o Benfica descansado no seu campo porque uma dessas aceleradelas levou Rafa a ser paciente contra três adversários, esperando e aguardando até Arthur Cabral arrastar atenções numa diagonal para libertar David Neres, que ao segundo toque rematou o terceiro golo (66’). Haveria outro remate do 9 brasileiro cujo gás parece esgotar-se rápido no seu tanque, ainda teria outra bola na área que preferiu receber para enganar em vez de rematar de primeira.
A jogada que originou essa receção orientada misturada com uma finta de corpo do avançado não foi a melhor que o Benfica deixou desenhada no impecável relvado do Portimonense, mas houve outras, duas ou três, que cintilaram como quiçá as maiores amostras de inspiração dos encarnados esta temporada. Simples nos toques, práticos nos passes, velozes a atacarem a baliza, os encarnados tremelicaram durante 15 minutos, mas, quando a reação alheia partiu o jogo em esticões, a simplicidade voltou. Nem sempre é fácil fazê-lo de forma simples."

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