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quinta-feira, 9 de maio de 2019

Nós somos humanos

"Pablo Aimar, numa das cativantes entrevistas que vai dando, dizia que o futebol actual é excessivamente analisado. Não podia ter mais razão. Já passámos aquela fase em que ver jogos de qualquer parte do mundo era novidade. Agora, o conhecimento de equipas e jogadores está ao alcance de todos os adeptos, jornalistas ou analistas.
Quem vive o futebol diariamente - as equipas técnicas, entenda-se, que são cada vez maiores e com profissionais de diversas áreas - tem uma quantidade inimaginável de ferramentas para melhorar o processo de treino e estudar os adversários com o máximo detalhe.
"Não sei falar inglês, mas posso falar-vos das 24 equipas do Championship". A frase de Marcelo Bielsa é carismática (como toda a apresentação, aliás), mas não diferencia o louco argentino e a respectiva equipa técnica da maioria. Nesta fase, não é o conhecimento que separa os bons e os maus. É a forma como utilizam o que sabem num determinado contexto, com pessoas e necessidades diferentes (vale a pena ler a entrevista extremamente consciente de Pochettino ao El Pais). 
Recentemente, vi num programa sobre a Bundesliga que o Hoffenheim estava a desenvolver um software que recria o campo de visão dos jogadores e as decisões que tomam num certo momento. O clube alemão está na vanguarda em termos de inovação tecnológica e conta com um dos treinadores mais "modernos" da actualidade. Não há dúvidas de que Julian Nagelsmann é um técnico metódico e bem preparado a nível táctico. Na partida com o Wolfsburgo, por exemplo, o Hoffenheim jogou em quatro (!) sistemas apenas na primeira parte. E os jogadores?
"Não estamos preparados para isso. Não somos robôs, somos humanos. Em muitos jogos não sei em que posição estou a jogar", responde Andrej Kramaric. Entendo as declarações do croata como um apelo. O "overthinking" de alguns treinadores não pode passar por cima de uma das (poucas) verdades universais do futebol: os protagonistas principais são os jogadores.
Tal como Bielsa sabe tudo sobre o Championship, Nagelsmann também deverá conhecer todos os comportamentos tácticos e individuais dos adversários. Mas a quantidade de informação que interessa ao treinador não é igual à que interessa aos jogadores. Nem de perto. Desde logo, porque dentro de campo não existe a mesma frieza para pensar - não é como estar no sofá a observar a variação do 4-4-2 para o 3-1-4-2. Entender até que ponto vai a apreensão de quem joga, tendo o conhecimento da função e o necessário conforto para a desempenhar, é o desafio para os homens do laboratório. A mensagem não pode perder-se no caminho.
O futebol tem uma dimensão inexplicável, que não se encontra no quadro táctico. Talvez no Europeu de 2070 possamos ver um duelo entre os robôs portugueses e os robôs gregos (só para nos vingarem da final de 2004) mas, por enquanto, quem manda no jogo são os humanos que o jogam."

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