Últimas indefectivações

sexta-feira, 7 de julho de 2017

A conversa das vizinhas

"Quando era criança, lá na bairro, as vizinhas juntavam-se à esquina de mercearia para trocarem dois dedos de conversa sobre os últimos dias. Por vezes, havia um acontecimento inusitado que alterava a rotina do quotidiano e estavam tempos imensos na discussão. Todas davam a sua opinião - umas mais empertigadas, da génese daquelas senhoras que quando falam até fazem questão de se colocar muito direitas e dar sempre um jeitinho nos óculos para que eles fiquem bem juntinhos ao nariz; outras mais descontraídas mas invariavelmente e meterem na conversa uma boa dose de veneno. No entanto, nunca chegavam a conclusão, porque nunca estavam na posse de todos os dados e a decisão não dependia delas.
Noutras ocasiões, tudo corria mais ou menos dentro da normalidade, mas quando alguém perguntava se estava tudo bem e a resposta era o tão português «vai-se andando» havia logo motivo para meia horinha de conversa, com o desfiar das desgraças dos últimos tempos a marcar o diálogo. Quando se estava a chegar a hora de por a sopa ao lume, cada uma ia à sua vida. Antes, uma recomendação: «Olha mulher, tens mas é de ir à bruxa...» Como reposta, um encolher de ombros com ar de enfado.
Por norma, nas raras ocasiões em que a resposta à saudação era «tudo bem» e a impulsionadora do parlapié estava ali a ouvir os feitos da senhora e da família, dos muitos amigos que faziam questão de ajudar e de outros muito bem posicionados que também estavam sempre dispostos a dar o seu auxílio de forma desinteressada.
Ou estou com os pensamentos muito alterados, ou o futebol português está cada vez mais parecido com a conversa das minhas vizinhas."

Hugo Forte, in A Bola

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