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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Depois do la la Lang, o filme do costume de João Mário


"O Benfica venceu o Club Brugge (com um deslumbrante e serpenteante Noa Lang) por 2-0, com golos de João Mário e David Neres. Os belgas entraram bem e criaram problemas, mas os lisboetas afinaram a maquinaria e foram superiores neste regresso à Liga dos Campeões. A segunda mão joga-se a 7 de março, no Estádio da Luz

Na véspera do jogo contra o Club Brugge falaram a João Mário sobre intensidade. Uma palavrita tão na moda que quase merece um ministério na tabela periódica, tal é a profunda devoção e amor que tantos lhe têm, ou uma menção num conto cru qualquer de Rubem Fonseca. O futebolista do Benfica refletiu sobre o assunto depois de sorrir matreiramente, como se finalmente lhe dessem uma oportunidade para desmontar um mito. “Serve de desculpa para tudo”, denunciou. “Essa questão deve ser posta de forma coletiva. (...) Há um banalizar dessa expressão, não gosto tanto, sinceramente.” E silêncio.
Silenciosos devem ser os pitons com que calca qualquer tijoleira ou relvado. A intensidade de João Mário está no cérebro, no fino pé direito e na disponibilidade para ajudar os outros a manter a bola do lado dos homens que usam uma farda como a dele. Depois de uma entrada interessante do Club Brugge – e sobretudo durante o omnipresente festival do drible de Noa Lang –, João Mário voltou a ser importante. Pelo passe, pelas decisões, pela generosidade através do bom jogo e não tanto através de uma fúria que não leva no corpo. E pelo golo, de penálti, aos 51’, que abriu o caminho para a vitória no campo do Club Brugge (0-2, David Neres marcou perto dos 90’), a contar para a primeira mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões. O médio, numa intensa relação com o golo, celebrou pela 17.ª vez esta temporada (5 na Europa, 4 de penálti). O internacional português marca há quatro jogos consecutivos na Champions.
Este encontro foi inaugurado com 47 passes em quase três minutos para os rapazes de vermelho. Na ressaca dessa bebedeira de tantas certezas, Gonçalo Ramos, de regresso ao 11 de Roger Schmidt, ameaçou o golo. Do outro lado o perigo ganiu através do velocista Tajon Buchanan. O canadiano acelerou pela esquerda e só uma mancha de Odysseas Vlachodimos evitou a explosão de alegria em Bruges.
A barbaridade de virtuosismo que escorria das botas de Noa Lang era admirável. Rafa, mais um regresso ao 11 do Benfica, também ia aparecendo, sempre naquela zona malandra, entre defesas e médios, onde pode rodar e acelerar. Os belgas tornaram-se muito, muito desconfortáveis nos primeiros 25, 30 minutos. O vagabundo Lang continuava a provocar tempestades no estômago dos benfiquistas. A equipa acompanhava e afastava-se de qualquer ideia de banalidade, bastava lembrar que eliminou Bayer Leverkusen e Atlético de Madrid na fase de grupos. Mordia à frente, tentava jogar, criava perigo, aniquilando assim um eventual jogo de palavras entre park the bus e Scott Parker, o treinador inglês que esta noite se estreava neste torneio.
Enquanto o Benfica não juntou ligeiramente as linhas e meteu algum gelo com a bola no pé foi sofrendo, o vaivém e o toma lá dá cá deixava os adversários muito confortáveis. Clinton Mata e Kamal Sowah voavam pela direita. Buchanan fazia o mesmo pela esquerda. A defender esses extremos juntavam-se quase à linha defensiva, criando uma muralha de 5 e 6 homens.
No primeiro tempo, um dos melhores lances do Benfica saiu dos pés do agora único campeão do mundo do plantel. Nicolás Otamendi mandou-se para o chão, em carrinho, e robou a bola a Denis Odoi. O argentino desatou numa desenfreada correria por uma pradaria impecável. Talvez o estatuto de rei do Catar lhe conceda alguns benefícios, nomeadamente o de ninguém se meter à sua frente. Quando chegou à área, tocou para João Mário e o cruzamento foi bloqueado.
Travado aquela irreverência alheia toda, inaugurou-se o festival do desperdício. Primeiro foi Fredrik Aursnes – bateu mal na bola –, após jogada entre Gonçalo Ramos e Rafa. Depois, um quase autogolo da defesa belga. Um dia depois do dia de São Valentim, António Silva desperdiçou um bombom oferecido pelo seu companheiro de ofício. Rafa atirou ao poste, num gesto difícil, uma bola que saiu do tal fino pé de João Mário. Ramos atirou por cima, mais um excelente cruzamento de João Mário, o tal que anda feliz da vida com o estilo de jogo deste Benfica de Schmidt. Hipotecava-se a alegria… e a tristeza foi ensaiada, quando uma bola de Odoi entrou na baliza de Vlachodimos. Fora de jogo, sentenciaram os árbitros.
Pouco depois do descanso, Gonçalo Ramos, que já havia falhado um golo cantado, ganhou um penálti. Antecipou-se ao defesa que ia sacudir a bola para longe na área. João Mário ofereceu o “1” ao marcador.
Os lisboetas iam-se revelando uma equipa madura, séria, comprometida e que sabia sentir o vento do jogo. Tentando atormentar essa segurança, Noa Lang, um talento cuspido pela fábrica de magos do Ajax, continuava a sua cruzada. O neerlandês só precisou de 60 minutos para superar o recorde de dribles eficazes desta edição da Liga dos Campeões, que pertencia a Rafael Leão, contava a GoalPoint.
O Club Brugge deixara há muito de encontrar os caminhos para a baliza do Benfica, para tal muito contribuiu o papel de Florentino e António Silva. Schmidt lançou então, aos 65’, Gonçalo Guedes e Neres, dando gás ao ataque encarnado. Quem quase fez o 2-0 até foi Chiquinho, um médio-faz-tudo que conta com a confiança do treinador alemão. Já com o ameaçador Ferran Jutglà em campo, testemunhou-se a mais um erro da defesa belga que permitiu outra investida contra a baliza de Simon Mignolet. Bjorn Meijer deixou a bola para a bota felina de Neres. O brasileiro aproveitou a gentileza e meteu a eliminatória num 2-0 que promete um final feliz na Luz.
Em cima da hora, João Mário voltou a ser protagonista ao colar, descolar, colar e descolar outra vez as palmas das mãos dos muitos adeptos benfiquistas que cantavam no Jan Breydel Stadion. E mais: deu lugar a João Neves, um garoto que fez a sua estreia na Liga dos Campeões."

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