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terça-feira, 26 de abril de 2016

Dona Águia e os seus gratos negros

"Benfica-Bayern de Munique não é jogo de agora. Os cadernos da memória levam-nos a Abril de 1972, a Paris, cidade onde Eusébio teimou em ser feliz. A vitória 'encarnada' foi convincente; Jordão inesquecível...

Não deixa de ser curioso ir aos cadernos das memórias e encontrar jogos entre Benfica e Bayern de Munique.
Pois, eu digo-vos: este que aqui vos trago, realizou-se no dia 2 de Abril de 1972. Em Paris.
Paris: essa cidade formidável onde Eusébio dizia sempre ter tido encontro marcado com a felicidade - como dois amantes, acrescentaria eu.
Pois conte-se. É para isso mesmo que invadimos semanalmente esta página e a vossa, certamente, já tão depauperada paciência.
Os franceses podem não ter tido muito êxito nas provas europeias de clubes. Mas inventaram muitas delas. E, sobretudo, tiveram sempre capacidade de arrastar até Paris, para torneios internacionais, os grandes nomes do Mundo.
Em Abril de 1972, o Benfica estava, portanto, em Paris. E o Bayern de Munique também.
O Torneio Internacional de Paris foi, in illo tempore, uma das grandes montras do Futebol internacional. Era como uma passagem de modelos com bola pelo meio. Foi lá que Eusébio se expôs pela primeira vez, marcando golos ao Anderlecht de Van Himst e ao Santos de Pelé.
Eusébio e Paris: uma dupla que nunca se desfez.
Foi em Paris que Eusébio marcou o seu último golo pelo Benfica.
Paris até na despedida!
Em 1972, o Bayern ainda não tinha conquistado a Taça dos Campeões Europeus. Reinava o Ajax, e o Benfica que o diga. Mas estava quase, quase. E já vencera a saudosa Taça dos Vencedores das Taças que tão estupidamente foi apagada do calendário da tirânica UEFA.
Aliás, e sem perda de tempo nem de parágrafos, vamos já mostrar que Bayern era esse que viajara até Paris: contra o Benfica alinharam - Maier; Koppenhoffer, Beckenbauer, Schwarzenbeck e Breitner; Scheneider, Zobel e Roth; Krauthausen, Muller e Hofmann.
Connhecem-nos? Pois quem pode esquecê-los? Pelos menos nós, do meu tempo, que crescemos a vê-los ganhar taças e honras aos pontapés por todos os campos do planeta.
Digamos, então, a equipa do Benfica, que era de respeito: José Henrique; Artur, Humberto Coelho, Zeca e Adolfo; Jaime Graça, Eusébio e Vítor Martins; Nené, Vítor Baptista e Jordão. Com o decorrer da aprtida, ainda entraram Messias, Toni, Diamantino e Artur Jorge.
Pois... um luxo!

Logo aos dois minutos...
Duas jogadas de calibre mataram os bávaros. A primeira logo aos dois minutos: Adolfo corre, corre, corre, como se tivesse asas de Mercúrio nos pés; o seu passe é preciso, retalhado como quem esculpe um diamante, a Nené está lá, à espera, para fazer o golo perfeito e irretocável.
Nas bancadas,os emigrantes resplandeciam de orgulho.
E em breve, os sorrisos se alargaram e as palmadas nas costas estralejaram com a alacridade dos íntimos.
Jordão liberta-se da defesa alemã no seu jeito de gato preto em campo de neve, como escreveria o grande Erico. Rodopia, dribla, baralha. É ele e a sua circunstância especial e única. O remate é forte e colocado. Mas não atinge o alvo. Um cisco imperfeito na sua ambição incontrolável. Pouco importa. A bola bate no poste do atarantado Meier, assim cabeludo e marreco como ficaria para a história universal do jogo. Vítor Baptista aproveita a recarga e faz 2-0.
No Estádio de Colombes, era descolorido e desmaiado. Quem sabe se por jogarem com camisolas angelicamente brancas.
Muller fazia o que nunca fez: falhava golos.
Humberto Coelho era imperial, dominava a defesa e as saídas para o meio-campo contrário. Estava acima de Beckenbauer que, sofregamente, tentava juntar os seus numa equipa da qual só se via o esqueleto.
Vítor Martins era o príncipe do centro! Com o seu Futebol de genica, próprio de boneco de corda, abria brechas contínuas no cimento alemão. E Eusébio... bem, esse era Eusébio... Sábio, alimentava Jordão, o seu delfim. Entre esses dois príncipes etíopes de rancho, como gostava de adjectivar Nelson Rodrigues, as tabelinhas e as simulações multiplicava-se geométricas e inesperadas.
O Bayern fez o seu golo. Diz quem esteve no estádio, que o mereceu. Foi Roth quem o marcou.
Mas a vitória benfiquista era clara!
«Terríveis, Jordão e Eusébio, embora este já mais lento do que noutros tempos», exclamava Dabbec, o jugoslavo que orientava o Bayern. «Nós bem que não queríamos fazer este jogo. Sabíamos que ia ser muito complicado. Mas os contratos são para se cumprirem», lamentava-se.
O Estádio de Colombes prestava homenagem ao futebol dos lisboetas com uma ovação de pé e entusiasmada.
Benfica-Bayern: ninguém o adivinharia na altura. Mas ficou marcado a letras vermelhas e fosforescentes no voo 'encarnado'  dessa águia sem fronteiras..."

Afonso de Melo, in O Benfica

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