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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Futebol: Raiz e Utopia

"A revista “Raiz e Utopia – crítica e alternativas para uma civilização diferente”, iniciativa de José António Saraiva e de muitos dos maiores vultos da cultura nacional (editada entre 1977 a 1981) foi um dos marcos muito importantes para a mudança das mentalidades e para o crescimento civilizacional. Por isso, a memória, a inovação, a criatividade que se deve à Raiz e Utopia.
Sempre estabeleci ligação entre a revista e o futebol como expressão de viver a vida em comunidade. 
Hoje, o tempo é também de fracturas, de diferenças, de originalidade, de tecnologia e de capacidade de superação de equipas perante adversários que jogam nos extremos (seja de violência, de ignorância, de injustiça e de corrupção e prepotência) e de equipas que continuam a revelar a coragem da frontalidade, a capacidade de inclusão, a inteligência de pensar sem se resignar perante qualquer obstáculo. Liberdade como táctica vencedora, diversidade como estratégia e genialidade como drible invencível.
O futebol será sempre um espaço privilegiado para procurar entender, observar e talvez concluir sobre o estado do país e das mentalidades, como laboratório único onde as emoções, sentimentos, padrões culturais e arte se manifestam com as suas virtudes e contradições.
Mas também um património de amizade, de memórias, um universo paralelo que faz mover as galáxias.
Os sonhos nascem das jogadas conseguidas ou imaginadas naquele rectângulo especial onde tudo acontece, por talentos que vivem para sempre.
O envolvimento social, as marcas de cada época, as ideologias, a violência, as lideranças (por vezes ridículas) que não param de mistificar e de utilizar o futebol para objectivos e finalidades que lhes são adversos, são dificuldades acrescidas que os adeptos (amantes do futebol) vão conseguindo derrotar mantendo a simplicidade aparente de um jogo, de uma utopia de criança.
E quando a bola inicia o movimento tudo pode acontecer, inclusive vencer.
Raiz, o que temos; Utopia, o que tentaremos alcançar porque não impossível mas somente ainda não atingida.
Pensar futebol, o que temos e o que poderemos ter, o desafio que nunca nos abandona e sempre nos desafia: desportista nunca desiste e vive para superar obstáculos. O futebol atravessa uma fase única mas determinante. Há adversários cada vez mais poderosos. Sente-se uma mentalidade de oportunismo financeiro à escala global sem equacionar riscos e consequências – só curto prazo.
As contínuas mudanças de regras e competições revelam a ânsia de domínios que se pretendem impor, essencialmente para enriquecimentos instantâneos, por mais estranhos que possam parecer, bem como um aproveitamento da globalização que mais se assemelha a uma ficção monocromática. 
Eles andam por aí e têm “olhos e ouvidos” em todos os lugares. Dizem que há quem se venda!
Que há quem traia valores que sempre defendeu!
Inventam-se currículos, criam-se mitos e estruturam-se empórios com gabinetes de especialistas do usufruto alheio. Há mesmo quem se especializa na mentira, na adulteração de imagens, na criação de cenários de polémica e de ódios, e lança, com o ar mais cândido, falsidades que certamente lhes trazem benfeitorias desde que encomendadas por quem “pode”… até que deixe de o poder.
Num jogo de futebol, numa discussão política no Parlamento, na análise de um acontecimento ou decisão governativa, não temos todos o dever de primeiro reflectir no assunto, de pensar como nos for possível e de trocarmos ideias para um esclarecimento útil?
Pensar, porém, é exercício que alguns procuram impedir (Orwell demonstra-o de forma clara) talvez por ser um dos momentos mais sublimes do existir.
Criam-se cenários contraditórios, incendeiam-se ânimos, disfarçam-se estratégias e incompetências e há quem se apodere do alheio sistematicamente, quem destrua a confiança, quem crie divisões para assim continuar a alimentar, com subserviências inconcebíveis, desprestigiantes e intoleráveis, os vícios de alguns usurpadores (por vezes, as mesmas famílias há décadas sucessivas) que nunca tiveram a arte e o engenho de dominar uma bola, de a conduzir e de lhe aplicar um remate certeiro ao ângulo da baliza por mais imaginária que for.
Como gladiadores romanos, findo o prazo da capacidade física, da utilidade no espectáculo, abandonam-se memórias e pessoas ao esquecimento e à miséria.
Raiz e utopia. Futebol.
De facto, temos um futebol com jogadores brilhantes, treinadores competentes e selecções vencedoras.
E os planos de desenvolvimento, os projectos de futuro? Isso é outro universo.
Para jogar ou treinar é indispensável possuir um conjunto de “habilitações” específicas.
Mesmo os adeptos dominam memórias, episódios e patrimónios que enriquecem aplausos e que são indispensáveis para apoiar as suas equipas. Eles são essenciais ao jogo e dão-lhe a dimensão, a utopia única.
De alguns dirigentes é que não se pode dizer o mesmo. O movimento associativo é e será sempre uma manifestação de vitalidade e autonomia da cidadania.
Porém, há tendências unanimistas de poder, há estratégias para subir velozmente degraus hierárquicos, há ambições desmedidas que não têm raiz que as suporte.
A falta de rumo, de visão, de missão, mesmo com vitórias de conjuntura, trará sempre consequências prejudiciais.
Analisar os fluxos monetários, as enormes equipas de assessores, a interminável compra e venda de jogadores de qualidade discutível, as constantes alterações para fortalecer o futebol-negócio acima de tudo, as permanentes mudanças nas regras e nas competições, a utilização de novas tecnologias com desvios inqualificáveis, a colocação de “exércitos adversários e guardas pretorianas” em todos os cantos, a valorização da violência e do sectarismo para impedir que o pensamento funcione livremente, são alguns dos resultados de quem não conhece, não gosta nem sabe jogar ou ver futebol. O contraditório nunca pode estar fora-de-jogo.
Vestígios de raiz:
- Dirigentes e assembleias gerais polémicas não ajudam a fortalecer a imagem do futebol.
- Centrar a paixão do jogo nos jogadores e treinadores.
- Segurança nos estádios para adeptos.
- Menos polémicas desviantes.
- Tempo útil de jogo na Liga I: muito reduzido – como optimizar?
- Muitas simulações exageradas ou falsas, sem sanção – o crime compensa!
- Muita contestação de jogadores junto de árbitros numa proximidade física exagerada.
- Árbitros com necessidade de melhor formação e avaliação mais exigente.
- Pouca intensidade e reduzido ritmo competitivo.
- Modelo e dimensão da Liga.
- Contratações sem critério: exagero de novas contratações nas janelas de transferências.
- Instabilidade permanente das lideranças das equipas.
- Arbitragens de fraco nível e muito permissivas, com perda de tempo.
- Decisões de CD da FPF sem a coerência necessária.
- Distanciamento da FPF e da Liga às realidades concretas do nosso futebol, a todos os níveis.
- Da arbitragem de Manuel Mota – 100% (Estoril x SCP) à arbitragem do SCP X Feirense: um descalabro total do VAR – como é possível?
- Regime de empréstimos e limite de planteis.
- Dívida, como procurar resolver um problema terrivelmente asfixiante?
- Desperdício de tempo e de recursos com minudências e protagonismos estéreis.
- Venda de jovens jogadores/talentos para o estrangeiro, muito precocemente (por vezes prejudicando a sua evolução).
Vestígios de utopia:
- Obrigatório pensar e conhecer os sinais do tempo.
- Indispensável agir para encontrar soluções para superar dificuldades: pensar futebol sempre.
- Criar planos de apoio a clubes com metas definidas (em função de critérios de fair play e qualidade de formação de jogadores).
- Liga II + Campeonato Nacional sub-23, o que vem aí?
- Estratégia para atracção de mais público local a apoiar – segurança garantida.
- Plano nacional para optimizar a formação de jovens jogadores.
- Formação contínua de treinadores, gratuita (particularmente para treinadores de competições não profissionais) e com âmbito nacional.
- Criar condições de formação de excelência para árbitros e condições de protecção e autonomia.
- Atitude dos dirigentes em defesa do futebol com regras precisas que limitem “habilidades” destrutivas.
- Falta de apoios para desenvolver o futebol em geral e não se limitar a apoiar sócios de classe da FPF com reforços sistemáticos de verbas, que parecem prémios de fidelidade e de silêncio.
- Economicamente, a FPF é um fantástico case study – falta maior transparência também nos critérios de distribuição de verbas e planos para potenciar a qualidade do nosso futebol.
- Títulos europeus são momentos importantes que alcançam dimensão futura quando se repercutem no desenvolvimento do sistema desportivo e na qualificação de dirigentes – se assim não for só serão mais uma data no calendário, embora sempre importante.
- Vencer é importante, mas estar sempre no grupo dos que podem vencer muitas vezes é muito mais importante.
- Para estar no desporto é indispensável trabalhar para encontrar soluções para os desafios que se colocam e manter uma cultura de valorização do que é nosso.
A imparável evolução tecnológica, os avanços da investigação científica, a possibilidade de criação de superatletas em laboratório, de interferir no ADN, a decisão de escolha de modalidade por critérios científicos, a capacidade em reduzir lesões por processos de manipulação científica, os novos jogos virtuais, podem ser possibilidades importantes, mas em jogos e actividades novas.
O futebol, património da Humanidade, evolui naturalmente (equipamentos mais leves e seguros) mas será sempre o jogo sedutor em que atletas dominam uma bola, com paixão, driblam com eficácia, libertam emoções em passes certeiros e potenciam sentimentos em golos únicos e inesquecíveis. Defender o futebol, como jogo onde os tempos se fundem e a humanidade se reencontra, é raiz que procurarei alimentar sempre com cuidado e desvelo.
Quanto aos novos jogos, que tenham o seu percurso, que cresçam e mantenham condições de inclusão e de sociabilidade…
Mas futebol é outro mundo: é outra dimensão! É sempre uma utopia a perseguir."

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