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quinta-feira, 28 de setembro de 2017

O “imperativo” da felicidade - um exercício de liberdade ou enclausuramento?

"De uma forma geral, a felicidade tem sido considerada como uma das principais âncoras para alcançarmos o que desejamos - a investigação tem demonstrado como a experienciação deste "estado de alma", facilita o nosso "drive" para atingirmos certos resultados ou a nossa vontade em termos relações sociais com ao adequado laço afectivo.
Por esta razão, este tema tem vindo a ganhar cada vez mais espaço em todas as áreas de performance, sendo fácil encontrar inúmeros relatos da sua aplicação no contexto desportivo, empresarial ou na vida em geral das pessoas. 
Globalmente, associamo-la a níveis elevados de bem estar e saúde mental.
Conscientes deste impacto, investigadores de diferentes universidades têm-se dedicado nas últimas décadas a tentar compreender porque é que existem pessoas mais felizes que outras e como poderemos tentar alcançar maiores níveis de felicidade.
Em paralelo, e acompanhando este movimento da ciência, multiplicaram-se milhares de livros de auto-ajuda sobre o tema (só na Amazon, aparecem mais de 20.000 exemplares diferentes!), eclodiram um sem número de "líderes espirituais" (infelizmente, na sua grande maioria, mais focados em fins próprios comerciais do que em ajudar verdadeiramente o outro...) predispostos a ajudar os demais a alcançar a emoção mais desejada e, inclusivamente, assistimos a uma tendência gigantesca em associar a felicidade às experiências que vivenciamos no dia-a-dia, motivando as pessoas a uma busca continua e incessante de... felicidade.
Mas, será que esta "vaga de felicidade" estará a aproximar-nos, efectivamente, desse objectivo? 
Lamentavelmente, esse não parece ser esse o caso. De facto, andamos antes a "treinar", o que poderíamos chamar de acções de "sensation seeking" e "risk taking", muitas vezes associadas a comportamentos de adição (que se traduzem, numa "espécie" de sensação momentânea de "felicidade"... falsa - porque externa e não internamente motivada).
Atendendo a que a investigação nos aponta para duas importantes dimensões, que confluem na nossa percepção de felicidade, que são a satisfação global que temos com a nossa vida e a percepção de felicidade subjectiva (em cada acção do nosso quotidiano), de repente, tudo à nossa volta nos "empurra" para a necessidade de procurarmos introduzir cada vez mais experiencias de felicidade na nossa agenda.
Resultado: uma gigantesca dispersão para tentar introduzir uma multiplicidade de estímulos, buscando sempre a "próxima" experiência de "bem estar" e, invariavelmente, e porque estamos a falar apenas, em mais uma forma de treinar comportamentos aditivos... a necessidade de ELEVAR cada vez mais o nível de risco nas actividades que escolhemos (e, aqui, podíamos estar a falar de coisas tão distintas como saltar de paraquedas ou, por exemplo, "flirtar" com um(a) estranho(a) enquanto o(a) nosso(a) parceiro está sentado na sala ao lado...).
Os fenómenos de adição são já de tal forma visíveis que os estudos nos indicam que os "viciados na felicidade", transformam-se invariavelmente em pessoas demasiadamente egocêntricas, cegas na sua busca de Felicidade, com muito menos capacidade de introspecção, danificando por completo aquelas que são as suas relações significativas - onde, de resto, assenta uma larga fatia da possibilidade de podermos, de facto, experienciar felicidade.
Muitas vezes, esta rede de suporte social da pessoa em questão, ainda têm que "levar" com o "teatro dos iluminados"... ou seja, assistirem de muito perto a um exercício de superiorização e soberba, onde "eles é que sabem, estão num nível superior de desenvolvimento e, por isso, vão ensinar quem está à sua volta a encontrar também a felicidade"... muitos acham até, que encontraram a "sua vocação" quando, na realidade, e assistido de perto, mais não é do que uma extrema necessidade de validação, assente na "vampirização" dos afectos e reconhecimento do outro (ficaríamos aqui a escrever 3 dias sobre tema).
De facto, em 20 anos de carreira, nunca vi alguém, genuinamente mais "evoluído" em termos do seu desenvolvimento pessoal, preocupado em fazer "uma campanha de marketing" acerca disso... na realidade, são até as pessoas que, muitas vezes quase em "silêncio", nos acompanham ao longo de uma vida, contudo, são quase sempre, os nossos "pilares".
São pessoas que, ao invés de rejeitarem as emoções negativas, antes as aceitam e integram na sua vivência, sem medo ou vergonha de, pontualmente, assumirem que estão tristes, angustiados, deprimidos... enfim, infelizes!.
É que, paradoxalmente, a investigação também nos indica que, só consegue ser genuinamente feliz, quem for igualmente capaz de experienciar a profunda tristeza - por outras palavras, é importantíssima uma boa capacidade de regulação e adaptação emocional.
E agora, em que ficamos?
Na realidade, até a investigação nos indica, actualmente, que quanto mais perseguimos a felicidade, menos a conseguimos experenciar e, curiosamente, também aqui a questão prende-se com algo que é muito trabalhado na área da performance:
Preocupamo-nos demasiado com o resultado (ser feliz) e pouco com o processo.
Por outras palavras, o que estou, de facto, a fazer de forma sistematizada (com todas as etapas de treino de resistência à frustração, inevitavelmente necessárias) para me aproximar desse propósito? 
Em suma, procurar coleccionar experiências de felicidade atrás de experiências de felicidade, com 30 amigos diferentes (já agora, emocionalmente, não conseguimos manter relações com a necessária qualidade emocional com mais do que uma mão cheia de pessoas...), traduz-se inevitavelmente, num efectivo treino de uma espécie de "rush" emocional, em nada diferente de nos sentarmos à frente da televisão a "devorar" um quilo de chocolate.
É que, a felicidade é subjectiva e é um processo descoberta interna (às vezes lenta) que tem que, necessariamente, possibilitar a nossa vivência como seres inteiros que somos - logo, integrando as "ditas" emoções negativas que, quase sempre, são o berço da nossa felicidade.
Porquê, então, fugir delas?"

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