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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Contra o escárnio e o menosprezo dos italianos

"A primeira viagem de Eusébio a Itália foi a terceira do Benfica àquele país. E também não foi feliz. Como se houvesse uma maldição estranha a ameaçar os 'encarnados'.

NA semana passada trouxemos aqui, às suas páginas, a nota sobre a primeira deslocação do Benfica a Itália, agora que pouco tempo passou sobre a mais recente viagem dos 'encarnados' a esse país tão belo. O Benfica jogou a Taça Latina, em Milão, frente ao Milan e ao Nice. Ficaria em terceiro lugar. Os anos passaram. O Benfica regressaria a Itália em Março de 1962. Já era Campeão da Europa e já tinha Eusébio.
Não deve haver muitos clubes do Mundo que tenham defrontado tantas selecções nacionais como o Benfica. Em jogos particulares, como é lógico.
Em Maio de 1962, Eusébio estava no centro da vida do Futebol europeu. Ainda não tinha vencido o Real Madrid na final de Amesterdão, mas ganhava o seu lugar na história do Benfica e do Desporto. Toda a gente queria ver Eusébio. A Itália queria ver Eusébio! No livro «Viagem em Redor do Planeta Eusébio» tive a oportunidade de revisitar essa viagem de Eusébio a Itália, a primeira da «Pantera Negra», a terceira do Benfica após a tal Taça Latina. Falava-se que os clubes italianos estavam loucos para ter Eusébio. E, em Milão, no particular do Benfica frente à selecção de Itália, Eusébio pagou caro o preço que colavam ao seu nome - vinte, trinta, quarenta, cinquenta mil contos, qual ele fosse. A derrota (1-4) e a pálida exibição dos portugueses foi motivo para escárnio na imprensa italiana.
Renato Marino, jornalista do «Tuttosport»: «Veio muita gente para o ver. Quase todos regressaram parcialmente desiludidos. Com efeito, Eusébio é um bravo jogador mas não vale os 375 milhões de liras ou os 6000 mil dólares que, segundo se afirma, pedem por ele».
Ah! Mal sabia o pobre Marino que iria engolir as suas palavras.
Emilio Violanti, jornalista de «La Gazzetta dello Sport»: «Eusébio vale 375 milhões? Muito bem. Nesse caso, Altafini valerá um bilião e Rivera um bilião e meio!...».
Gino Palumbo, jornalista do «Corriere della Sera»: «Eusébio deve valer muito mais. De outro modo, Pelé teria todo o direito de se sentir ofendido com aqueles que o comparam ao jogador português».
Mercantilistas, como é seu hábito, educados na valha cultura italiana do «mercato», os repórteres italianos olhavam para Eusébio como uma pilha de notas com pernas. Na sua maioria ignoravam o golo que marcou e desvalorizavam o facto de ser um encontro de carácter particular: um «amichevole», como eles gostam de dizer.

Havia quem soubesse...
HAVIA, no entanto, quem fosse capaz de perceber a realidade do jogo e a verdade da exibição de Eusébio.. Havia quem soubesse... E o escrevesse...
As excepções eram poucas.
Alessio Cerrati, jornalista do «La Stampa»: «Muitos olhares atentos sobre Eusébio. Todavia, o negrito de falhou a prova de Milão, pelo menos em parte. Apenas acordou no fim do encontro, quando efectuou dois remates poderosos e marcou um golo, colocando a bola em sítio inacessível aos esforços do guarda-redes Negri».
Alfredo Toniolo, jornalista de «La Gazzetta del Popolo»: «Eusébio é m avançado-centro, mas não é ainda um super-campeão. Encontrou no seu caminho, na primeira parte, um Trapattoni muito forte; depois, no segundo tempo, pode mostrar-se. Ágil, ligeiro e com movimentos de exemplar harmonia atlética, o homem de Moçambique assinou o único golo dos visitantes mas não pareceu, pelo menos hoje, o super-futebolista que todos esperavam. Tem 19 anos. Poderá ainda vir a sê-lo?».
Giani Brera, jornalista de «Il Giorno»: «Na primeira parte, marcado por Trap, o flexível interior do Benfica apenas rematou três vezes, mas sem acertar no alvo. No segundo tempo foi diferente. Não é que Losi tenha sido menos valente e menos enérgico que Trap. É que, enquanto o português, na primeira parte, tinha ainda de haver-se com Maldini, depois, na segunda, bastava-lhe passar por Losi para ter as redes abertas na sua frente. Quase no fim, o Benfica içou a sua bandeira verde e encarnada com um tiro fulminante de rasteiro de Eusébio. Como se quisesse dizer aos dois  Agnelli que se tinham deslocado a Milão para o ver jogar: 'Estou aqui!' Infelizmente, porém, os dois dirigentes da Juventus já tinham saído do estádio uns bons dez minutos antes. Saberão, todavia, o que se passou se lerem os jornais...».
Eusébio saía desvalorizado da sua primeira viagem a Itália. Em apenas dois meses, recuperaria o seu valor acrescido de mais-valias. Vinte mil contos era, de facto, demasiado pouco para um jogador da sua categoria. Viriam os clubes italianos a oferecer muito mais. Debalde. Eusébio ficaria no Benfica até ao fim. E teria oportunidade de numa célebre meia-final da Taça dos Campeões Europeus, em 1968, desfazer a soberba da Juventus, a «Velha Senhora». Também falaremos disso, um dia..."

Afonso de Melo, in O Benfica

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