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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Sem visão e interesse


"Aos partidos políticos, governos e respetivos legisladores não basta debater horas a fio

Considero-me um homem do desporto. A ele me encontro intimamente ligado desde cedo pela linhagem familiar paterna em diferentes vertentes e espaços temporais, mas com particular incidência nos anos 90. Só me puderam ser abertas as portas ao ativismo associativo quando atingi a maioridade (nos termos da Lei como em tantas outras coisas). E só com alguma (pouca) independência financeira consegui iniciar, finalmente, a minha formação, especialização e intrusão profissional a partir do ano de 2006.
Basicamente, todo o tusto ganho foi inteiramente canalizado para absorção, qualificação e experiência no setor desportivo nacional e internacional. Já lá vão 18 anos de dedicação com inevitável foco no futebol porque é também esse o retrato do nosso país. A par de mim, todos aqueles que atuam no meio como consequência e resultado da sua aposta em início da carreira são sugados para a referida modalidade apesar do infindável universo desportivo.
Basta olhar para os meios de comunicação ou para as leis feitas a pedido e à medida do futebol (o regime jurídico das federações desportivas é disso um bom exemplo). Não há dúvida que sempre valorizarei as minhas experiências pessoais no dirigismo que executei ao nível associativo privado, distrital e federativo nacional.
Hoje, numa visão pura de advogado e consultor de instituições e empresas desportivas bem como daqueles que são os verdadeiros agentes desportivos nativos (treinadores, atletas, árbitros e dirigentes), regozijo-me com o facto de termos um ecossistema e ordenamento jurídico-desportivo robusto e capaz de fazer corar muitos países.
Mas há que aplicá-lo. Só que aos partidos políticos, governos e respetivos legisladores não basta debater horas a fio em comissões, fazer-se projetos de lei e aprovar os respetivos diplomas para mais tarde atualizá-los. Já nem escrevo sobre o artigo 79.º da Constituição da República Portuguesa que prevê e estipula o desporto como direito mas, acima de tudo, força o Estado, em colaboração com as associações e coletividades desportivas, a promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão do desporto a par da prevenção da violência no desporto.
Num país em que o futebol profissional contribuiu com mais de 617 milhões de euros para o Produto Interno Bruto (PIB) e produziu mais de 214 milhões de euros em impostos, não há lugar para um ministério com vista à potenciação do setor? Tem mesmo que continuar por passar ao nível de mera secretaria de Estado? Esse amor com a juventude que resultou num casamento de longa data continua a ser assim tão feliz que não se pode fomentar o seu divórcio amigável e por mútuo consentimento? Na realidade, o desporto continua a ser desdenhado pelo movimento político e seus derivados.
É notório o histórico desprezo em surdina da política pelo desporto (futebol em particular) e os políticos, seus pachorrentos comentadores e respetivos analistas até já deixaram de ter vergonha em dar a entender que somos todos filhos de um deus menor. Mas não os únicos culpados. Os dirigentes desportivos, sobretudo, ao nível da cúpula profissional (Liga de Clubes) são quem mais deveria ter interesse em mexer-se para pressionar legitimamente os partidos políticos e o governo que estiver em funções. E, sim, têm margem para isso se meterem, por exemplo, os três grandes ao barulho. Aliás, este trio de empresas desportivas deveria ter interesse, por si próprio e cada um por si, em fazer pressão política. Quanto é que as apostas desportivas em todas as suas vertentes contribuem para as santas casas e impostos? Como é possível termos, ao nível de IRS, um escalão de 48% aplicável para rendimentos anuais a partir de 75.000,00 euros (está quase no limite máximo) e o IVA em bilhetes para jogos de 1.ª e 2.ª ligas continuar fixado em 23% quando idêntica bilhética para cinema e teatro se mantêm nos 6%. Muitos me dirão que cultura não se confunde com desporto e que há que promover o primeiro em detrimento do segundo.
Responderei que depende quando se vive num país pobre como o nosso. Também não me importo que o desporto sustente a cultura. E se estiver em causa a necessidade de incremento económico-financeiro, podemos atrair e controlar investimento no futebol como sucedeu com os Golden Visa."

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