"Esta semana conheceram a luz do dia um artigo de Eduardo Dâmaso nas páginas do Record intitulado "O futebol lava mais branco" e ecoaram bem alto as palavras de Luís Ribeiro, coordenador da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária (PJ) sobre a realidade atual dos clubes de futebol e das sociedades desportivas em Portugal. Há muito que defendo publicamente algumas ideias sobre estes temas e por isso entendo que devemos refletir sobre estas duas intervenções públicas.
Luís Ribeiro sabe do que fala e diz: «há clubes de futebol em Portugal a serem usados para a lavagem de dinheiro, a serem usados para branquear proveitos de origem ilícita». Complementa confirmando que a PJ está a seguir com atenção a entrada de investidores estrangeiros em clubes portugueses e que há 40 inquéritos abertos associados à corrupção no desporto em Portugal, dos quais 35 ligados ao futebol. Decidi ouvir as declarações de Luís Ribeiro e este também refere que, formalmente, os contratos não têm um problema evidente, mas o que está em causa é a realidade material que os anima e os movimentos de branqueamento de capitais que implementam. Percebem-se estas declarações porque por vezes são os próprios advogados que redigem os contratos de compra e venda de sociedades desportivas que acabam constituídos arguidos e acusados pois não têm capacidade, nem meios, eles próprios, para seguir o rasto da proveniência dos capitais.
Por sua vez, Eduardo Dâmaso explica que «o branqueamento de capitais está a estoirar a sociedade portuguesa e o futebol é um dos instrumentos mais privilegiados» e faz uma reflexão sobre as promessas miríficas de investidores e «a destruição sucessiva de alguns clubes históricos do futebol português».
É fatual que o desporto português está socialmente assente no movimento associativo e a transformação do desporto promovida pelo regime das sociedades desportivas tornou-se, dizem os factos, um puro instrumento para esmagar os clubes.
Assistimos nos últimos anos a processos de extinção, insolvência ou dissolução que já afetaram cerca de 20% das sociedades desportivas constituídas até à data e que conduziram, em alguns casos, à queda de clubes históricos,
O regime abriu também as portas para a circulação de dinheiro ilícito de investidores opacos e inescrupulosos que vão rodando e dançando à vez em torno de clubes impotentes e aprisionados a uma sociedade desportiva.
Sabemos do que falamos já que contra tudo e contra todos, os sócios do Clube de Futebol "Os Belenenses" conseguiram abrir uma brecha nesse sistema de destruição que todos afirmavam inexpugnável e afirmaram a sua identidade e a continuidade do seu futebol profissional.
Não por acaso, logo de seguida à libertação do futebol profissional do Belenenses, a política acionou uma revisão do Regime Jurídico das Sociedades Desportivas, que começou bem, mas acabou muito mal. Os interesses contra os quais nos batemos aguardaram pelo final do processo legislativo para enxertar, à última da hora, o nº7, do artigo11º da Revisão de 2023 do Regime Jurídico das Sociedades Desportivas, que conduz ao seguinte regime: um clube que constitui uma sociedade desportiva fica para sempre aprisionado à mesma com uma percentagem mínima (agora, de 5%!); por sua vez, os "investidores" podem usar a sociedade desportiva e girar quando quiserem. A mensagem foi clara: quem manda aqui somos nós, aquilo que o Belenenses fez acabou e mais ninguém pode fazer. É uma mensagem errada, nomeadamente face ao terreno degenerado que Luís Ribeiro apresenta e Eduardo Dâmaso comenta.
Parece-me que não restam dúvidas que perante a factualidade exposta pelo Coordenador da PJ facilmente se percebe que o futebol em Portugal não tem tido capacidade para se autorregular.
Também se percebe "puxando a brasa para a nossa sardinha" o perigo a que uma "apetitosa" sociedade desportiva como a do Belenenses esta exposta.
Regressamos aos campeonatos profissionais em 2023/2024 e constituímos uma sociedade desportiva detida a 100% pelo Clube de Futebol "Os Belenenses", que está limpa e sem passivo. Trata-se de um relevante ativo desportivo, social, económico e financeiro que desperta enorme cobiça, porque o panorama apresenta sociedades desportivas falidas e entregues a quem não se sabe bem quem é e o que verdadeiramente representa.
Hoje a pressão sobre todos os dirigentes em Portugal, de quase todos os clubes, das ligas maiores aos distritais, para que criem sociedades desportivas e as vendam é enorme.
No nosso caso, muitos perguntam em tom jocoso se achamos que podemos sonhar em chegar de novo à 1ª Liga sem vendermos de novo a nossa sociedade desportiva.
Também muitas vozes internas e externas respondendo aos legítimos anseios da nossa massa associativa e de simpatizantes logo aparecem a apregoar a inelutável necessidade de vender a maioria do capital a um investidor para conseguir chegar rapidamente à primeira liga.
A todos respondemos o mesmo: temos traçado, pelo menos, duas linhas vermelhas muito claras quanto ao Clube de Futebol "Os Belenenses" e à nossa sociedade desportiva.
Sabemos bem o que não queremos.
Não queremos uma sociedade desportiva onde o clube não detenha uma maioria clara do capital, não queremos uma sociedade desportiva envolvida em escândalos e em lavagens de dinheiro, não queremos uma sociedade desportiva que passe a andar de mão em mão e de dono em dono.
Na minha opinião, também não devemos aceitar estar envolvidos em sistemas de multipropriedade de sociedades desportivas e de clubes, porque somos o Belenenses e não a equipa B, C ou D de uma instituição financeira, de uma marca de detergentes ou de um qualquer clube europeu.
É evidente que conhecemos bem o fenómeno da multipropriedade, não só os mais conhecidos como o City Group, a Red Bull, a Red Bird ou a 777 Partners que agrupam dezenas de clubes, originando uma movimentação muito pouco recomendável entre os ativos da maioria desses clubes que, de resto, têm originado variadíssimas queixas junto da UEFA e da FIFA, trata-se de um fenómeno emergente e que a todos deve preocupar.
Aliás, de acordo com o relatório anual da UEFA "The European Club Footballing Landscape", esta adverte que a propriedade múltipla "pode constituir uma ameaça palpável à integridade das competições europeias de clubes".
Com estes alertas e sinais acreditamos que a multipropriedade de clubes vai sofrer fortes limitações nos próximos anos por parte das entidades de supervisão tendo em conta o desrespeito grosseiro que origina pelas regras de fair play financeiro, da verdade desportiva e da integridade das competições.
Mas sabemos também o que queremos.
Entendo que qualquer visão de longo prazo para a sociedade desportiva do Belenenses deve assentar em 3 pilares, todos visando preservar a presença dos valores e da identidade do Belenenses: a manutenção de uma maioria clara na propriedade e na gestão; procurar parceiros que complementem as valências do Clube e potenciem as que já temos; o alinhamento com os valores da integridade do desporto e das competições, não aceitando dinheiro fácil de origens duvidosas ou fazer parte de poules de clubes detidos por empresários.
Se os requisitos que defendo afastam muitos dos investidores que por aí andam à procura da próxima vítima, muitas vezes trazidos pela mão de conhecidos comissionistas, também não é menos verdade que o facto do mercado estar encharcado de estruturas opacas e de branqueadores de capitais também afasta entidades decentes que aí pretendam investir.
O caminho que preconizo não é fácil, mas parece-me ser aquele que melhor realiza uma instituição centenária que tem a missão de honrar a sua história e que não pode trair duas vezes os seus fundadores.
Queremos um Belenenses honrado, digno, com identidade própria, com parcerias estratégicas fortes e consolidadas (em que estamos ativamente a trabalhar), um Belenenses que regresse o mais cedo possível à Primeira Liga.
Se o Eça andasse por aí por certo diria à maioria dos dirigentes que embarcam em histórias da carochinha que "vão num galopezinho muito seguro e direito rumo ao abismo", eu prefiro acreditar que ainda vamos a tempo de estancar o problema, de regular o que há para regular, de fornecer os meios necessários à PJ e ao MP para fazerem o seu trabalho e assim ajudarmos os clubes portugueses e os seus dirigentes."
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