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domingo, 2 de janeiro de 2022

O espírito do desporto


"O desporto apresenta-se, atualmente, como um “facto social total” (Marcel Mauss), mas é difícil estudá-lo no seu conjunto. Como disse Georges Magnane, “um conhecimento sociológico autêntico se impõe pela originalidade dos factos significativos examinados de perto e de diversos pontos de vista subjetivos; mas esta originalidade só pode ser percebida depois de um estudo completo das estruturas objetivas” (p. 9). A presença do desporto faz-se sentir pelos que o praticam, bem como aos que o organizam e dirigem (ou pretendem fazê-lo). Ele é uma atividade específica da juventude. A categoria dos “veteranos” começa aos trinta e cinco anos. Do ponto de vista do homem comum, constatamos que uma literatura “ilisível” se lê muito, sobretudo a imprensa desportiva. É incontestável que os jornais se consagram às vedetas do desporto, sobretudo aqueles que têm um sucesso considerável. Não fazemos aqui qualquer juízo de valor sobre os jornais desportivos. No Les Fleurs de Tarbes (1936), o escritor Jean Paulhan (1884-1968) avança esta paráfrase: “se a impressa desportiva tem tantos leitores é porque ela é ilisível”. Magnane relata, no seu livro Sociologie du sport (1694), que falou com este representante autorizado da cultura francesa, perguntando-lhe o que conhecia sobre o desporto. Paulhan não teve dificuldade em confessar que a sua ignorância era total e que não tinha vontade de se informar mais, pela simples razão de que, na sua opinião, não existiam problemas no desporto. Este comentário serve para muitas pessoas, pois falam de desporto sem nada saber sobre ele.
O desporto moderno surge como uma atividade de lazer, adaptado a uma civilização predominantemente industrial. Corresponde exatamente às necessidades do trabalhador urbano. É impossível explicar a atração do desporto pelo trabalhador moderno se não tivermos em conta a dialética das semelhanças e das diferenças entre a atividade profissional e a atividade de lazer. O desporto de competição ou de lazer é apresentado como um antídoto da fadiga. Ou, como diria o escritor e jornalista francês Paul Adam (1862-1920), é uma “metamorfose da preguiça” (p. 18). Mas, tal como refere Magnane, os praticantes do desporto de competição se prestam mal para responderem a um inquérito sobre a fadiga, pela razão evidente que se eles se sentissem cansados procuravam outras formas de lazer. Na verdade, “o homem não é jogado, ele joga, ele constrói o seu destino” (Magnane, 1964, p. 71). Magnane (1964) acrescenta ainda que “o desporto, de facto, é a aprendizagem de uma liberdade que recusa os soporíferos e os sedativos dos sonhos gratuitos” (p. 168). Nasce, assim, um “espírito desportivo” ou uma Morale des sports (1907), para retomar o título de um ensaio de Paul Adam."

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