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sábado, 15 de outubro de 2022

Roger Federer, Simone Biles, Michael Phelps e a pressão da perfeição


"Apesar de nos habituarmos a ver os atletas de alta competição a terem exibições sobre-humanas, a verdade é que para atingirem esse nível são submetidos a um grande volume de treino (teoria das 10 000 horas de Anders Ericsson). Além de todo esse processo de treino, junta-se uma grande densidade competitiva e longos períodos longe da família, que resulta num elevado desgaste, tanto físico como emocional, durante muitos anos e desde tenra idade. Tudo isto, se for mal gerido, pode ter repercussões tanto na saúde física como na saúde mental.
Vemos muitas vezes a celebração do sobre-humano, mas raras vezes o quanto custou.
Não é incomum vermos atletas que, com tanta ambição e obstinação em busca da excelência desportiva, entram num ciclo vicioso de demasiada carga de treino, demasiado cedo, durante muito tempo e com pouca recuperação, proporcionando episódios de lesão e/ou overtraining. Depois, com a pressa de ultrapassarem esse período, voltam a ter o mesmo processo na ânsia de voltarem ao seu nível competitivo.
A primeira pergunta que normalmente fazem quando sofrem alguma lesão é: “Quando posso voltar a treinar?”. A paragem, do ponto de vista do atleta, é dos processos mais difíceis de gerir e terrível para a sua saúde mental. Instaura-se ansiedade e questões na sua mente como “voltarei ao meu nível?”, “quanto tempo terei de treinar para compensar o tempo perdido enquanto os meus adversários estão a 100%?”, “vou ter mazelas definitivas?”. Se por um lado não se pode (ou deve) entrar neste ciclo de ansiedade, por outro também não se pode desligar completamente daquelas que são as suas rotinas. Atingir esse equilíbrio é um dos pontos pelos quais esta gestão é tão difícil. Um forte suporte e sensibilidade de todos aqueles pertencentes ao ciclo mais próximo do atleta é absolutamente essencial.
No tema da saúde mental, talvez mais complexo que o lado físico, cada vez mais vemos atletas a virem a público numa demonstração de coragem e de rompimento com a cultura da “aura de invencibilidade” e a anunciarem que precisam de algum tempo para cuidarem de si e da sua mente, resultado da pressão da perfeição. Casos como Simone Biles, Michael Phelps, Tom Dumoulin, Naomi Osaka, Marcel Kittel, e tantos outros, são exemplo das pressões às quais atletas de alto perfil são sujeitos e revelam mais do que a ponta do iceberg que normalmente vemos.
Um dos episódios recentes que demonstra o peso que a alta competição tem para um atleta foi protagonizado por Roger Federer, que chorava compulsivamente no seu adeus aos courts. Alguém não ligado ao desporto pode perguntar o porquê de tanto “drama”, tendo ele atingido o nível estratosférico que conhecemos. Mas para um atleta deste calibre, mesmo com os milhões ganhos ao longo da sua ilustre carreira, significa um adeus a toda uma vida dedicada à excelência, 24 horas por dia, durante muito tempo e desde muito cedo. É uma mudança drástica, com um grande vazio, na qual na prática se está a despedir de uma vida que não volta mais."

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