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sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Bernardo Silva é o melhor jogador português da actualidade


"Se elaborasse uma lista com as práticas mais recorrentes e imbecis associadas ao futebol, duas brigar-se-iam na luta pelo pódio. Aquela recolha muito pertinente das imagens dos golos do novo defesa-central do Villa Athletic Club. – escolhi um clube ao calhas, não se exaltem –, porque é de conhecimento geral que os golos são requisito basilar na avaliação a um homenzinho que passa mais de metade do jogo perto da baliza contrária; e aquela frase que torce, mastiga, corrói e inflama cada nervo do meu corpo: “é um bom médio, mas falta-lhe golo”. ‘Pá, companheiros, por este andar, não há-de estar muito longe o dia em que começam a lavar os dentes com um cotonete.
Lá porque, em 2014, no acampamento do MEO Sudoeste, foi assim que o teu amigo safou o mau hálito, continua a ser pouco inteligente pegares nessa referência para avaliares cotonetes. No futebol é igual. A gente sabe que é porreiro gritar golo, a gente também sabe que o golo é o objectivo da poda, mas por muito que a linguagem técnica vos atrapalhe, há que entender a especificidade das tarefas atribuídas pelo treinador aos jogadores dentro de um bicho-papão chamado sistema de jogo. “Ui, ai, sistema de jogo. A nova vaga de comentadores adora utilizar linguagem complexa. Assim, até fazem parecer que estão por dentro do assunto”.
Imaginem… (sorrio enquanto baixo a cabeça, como quem pensa: epá). Eu sei que o futebol é o ópio do povo, logo, normalmente, falamos para as grandes massas. Compreendo-o. Agora, sem brincadeiras: Que raio de nome querem que se dê a algo que já tem um nome? Vou transformar sistema de jogo em quê? Troco o termo? Chamo-lhe arroz de abóbora? Não lhe chamo? Que seja arroz de abóbora, desisto.
Há que entender a especificidade das tarefas atribuídas pelo treinador aos jogadores dentro de um arroz de abóbora.
Suponhamos que o Van Dijk chega ao Benfica após ter estado a jogar no arroz de abóbora do treinador Zé e que o treinador Zé trabalha num arroz de abóbora de cariz ultra-defensivo, no qual é concedida pouca liberdade de progressão aos defesas-centrais – liberdade de progressão está ok, certo?
Suponhamos, também, que a equipa do treinador Zé se defende num bloco baixo e que, por norma, chega à baliza adversária através de contra-ataques. O Van Dijk vai lá acima nas bolas paradas, mas, de resto, nem costuma pisar o meio-campo ofensivo.
Suponhamos que o Bernardo Silva chega ao FC Porto após ter estado a jogar no arroz de abóbora do treinador Manel e que o treinador Manel trabalha num arroz de abóbora de cariz ultra-ofensivo, no qual os médios interiores, por vezes, batem com a linha defensiva contrária, andando pelas meias direita e esquerda do ataque, aproximam-se dos extremos ou dos laterais, um desses sempre projectado para combinar, e surgem em zonas de finalização.
O Bernardo Silva passa longos períodos no último terço, contudo, há milhentas tomadas de decisão do Bernardo Silva dentro de um arroz de abóbora talhado para oferecer as melhores condições possíveis no momento da finalização, o que pressupõe ter paciência na circulação, não rematar de qualquer lado, lidar com espaços curtíssimos sem perder a bola, tentando ganhar vantagens, movimentar-se com e sem bola para abrir espaços para ele ou para os outros invadirem. Isto tudo perante opositores que se fecham com os 11, que aglomeram equipas inteiras atrás com o intuito de dificultar cada processo.
Claro que o treinador Manel não se irá queixar se o Bernardo Silva fizer uns golitos, mas essa estará longe de ser a métrica crucial na hora de avaliar a performance do seu jogador.
O mesmo, por motivos diferentes, irá suceder com o treinador Zé na hora de avaliar a performance do Van Dijk. Nestes casos, marcar golos será um bónus, dada a imensidão de funções elegíveis.
Portanto, se queres condenar um médio como o Bernardo Silva porque lhe falta golo, começa mesmo a limpar os ouvidos com escovas-de-dentes e a lavar os dentes com cotonetes, para que compreendas o significado de especificidade.
Estes foram os meus cinquenta cêntimos na busca inglória de respostas sobre o bizarro eclipse de Bernardo Silva sempre que se ordenam os melhores do mundo naquela patética gala. O Bernardo Silva não só é o melhor jogador português há já algum tempo, como, na temporada transacta, foi um dos melhores do mundo. E assume esse estatuto porque executa com nota muito elevada todas as tarefas descritas acima. Assume com constância, enquadrado num arroz de abóbora do qual é protagonista, tendo já assumido vários papéis. O de médio mais recuado, o de médio interior, o de falso extremo, o de falso 9 (!), somente na Liga Inglesa, que não tem o gabarito de uma Liga Portuguesa, por onde passou ao lado de uma bonita carreira de lateral, mas que nem está mal cotada ao nível da qualidade individual."

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