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sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Acalento e desalento… nada é perfeito (uma reflexão sobre a luta dos atletas de judo)


"Faz uma semana que assisti à cerimónia da assinatura do Contrato-Programa para Paris 2024. Foi um dia feliz, como a Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares ali referiu. Fui também feliz naquele momento, porque pude ver que o desporto, apesar de discretamente e num tão difícil momento para todos, não foi preterido e mereceu algum esforço financeiro, para procurar fazer face a um país que, embaraçosamente, se apresenta na cauda da Europa ao nível da prática desportiva…
Todos sabemos quão foi duro este período de pandemia. Cada um de nós o viveu e lhe sobreviveu da melhor forma que soube e pôde. Falei disso e de tantos outros assuntos relacionados com a carreira desportiva com quatro atletas durante a mesa redonda que tive a oportunidade de moderar, em Leiria, neste sábado que passou. Fui ao 45.º Congresso da Associação Portuguesa de Técnicos de Natação, em que pela primeira vez os atletas foram chamados a dar voz às suas experiências e realidades. Cheila Vieira (Natação Artística), Alexis Santos (Natação Pura), Tiago Campos (Águas Abertas) e Tiago Paraty (Polo Aquático) falaram abertamente e sem tabus de temas que passaram pelo treino, recuperação e prevenção de lesões, relação com a equipa e treinador, preparação olímpica e até sobre saúde mental no mundo do desporto. Apreciei vivamente este momento, com o retorno tão positivo dos que estiveram na plateia, os quais notoriamente souberam dar sentido e forma àquela conversa.
Percebi e senti ali que a voz dos atletas, sempre muito ténue e discreta, tem vindo a ganhar espaço, relevância, e começa a ser um valor positivo na equação desportiva. Pelo menos no mundo da natação…
E se domingo foi um dia ensolarado e de usufruto daquelas sensações plenas com que regressei a casa, rapidamente me enchi de preocupações extremas com o grito de revolta da Telma a que todos assistimos.
Este conflito entre os judocas e a Federação Portuguesa de Judo tem-me, infelizmente, avivado a memória de um lado da minha experiência desportiva, vivida ainda enquanto adolescente.
Com a devida distância temporal, sei muito melhor aquilatar a ação e omissão das entidades desportivas, e fundamentalmente a importância das medidas tomadas pelos dirigentes, que na sua essência e visto num sentido bastante lato, resultam nos resultados desportivos e na formação da pessoa enquanto atleta.
Com efeito, na adolescência falta-nos o discernimento e conhecimento dos factores que levam as pessoas com poder a fazer as suas escolhas. Que fazem, muitas vezes só porque têm o poder para isso, e em conformidade com interesses. Os jovens olham muitas vezes para a situação como um status quo, algo que sempre assim foi, é e será, apesar de com isso não concordarem.
Vivi essa conflitualidade durante quase toda a minha carreira desportiva, e sei quão prejudicial se tornou. Não cabe aqui elencar essas situações. Mas perdi muita da minha vontade e alento para competir em determinadas alturas. Era jovem, e talvez essa inexperiência me tenha levado a prosseguir, porque se não o fosse, o afastamento da competição teria sido inevitável.
Estes atletas do judo não têm essa candura. Sentem-se prejudicados e reagem. E é difícil dizer-lhes que agarrem nessa revolta para a tornarem a seu favor em cada luta. Porque isso não é óbvio. Embora eu já o tenha pedido…
A voz dos atletas não pode ser sumida nem discreta. Mas também não se pode deixar chegar ao ponto de gritos de desespero e de revolta, pois no momento em que isso acontece a ruptura já parece irreparável.
Se, como parece, esta supremacia dos dirigentes não era contestada, a algo inédito estamos todos também a assistir. A tutela está a ouvir os atletas. E todos queremos que os resultados das investigações que estão em curso tragam, rapidamente, resultados palpáveis. Pois, este fim de semana irão ao tapete estes judocas, em mais uma das provas de apuramento olímpico. Vão com o que têm, com o que não têm, e, com o vazio de muitas incertezas.
O judo, uma luta que eu e muitos outros conhecemos."

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