"Num documento ainda hoje disponível no site do Comité Olímpico de Portugal, o falecido José Manuel Constantino revelava as recomendações que fizera a todos os partidos políticos sobre o que era urgente implementar para melhorar a saúde do Desporto português. Eram todos pertinentes. E todos se mantêm atuais
Numa prática saudável e construtiva, o Comité Olímpico de Portugal, sob presidência de José Manuel Constantino, tinha o hábito de levar ao conhecimento dos portugueses, e sobretudo dos partidos políticos concorrentes a eleições legislativas, as suas propostas e reivindicações para melhor desenvolvimento do desporto, não apenas olímpico, mas nacional. E fazia-o com a intencionalidade clara e transparente de que pretendia não apenas influenciar os programas eleitorais, como também condicionar ou sugerir prioridades de política desportiva a um Governo saído dessas eleições. Ora assim aconteceu também em janeiro deste ano, antecedendo as eleições de março.
Num documento entregue aos partidos que divulgou publicamente (e ainda hoje consultável no site do COP), Constantino exprimia a posição da instituição quanto às prioridades que deveriam ser adotadas pelo novo Governo para que o desporto português encetasse um processo de reforma, “tendo por referência um conjunto de debilidades sistémicas expressas em diversos indicadores que posicionam o País na cauda do desenvolvimento europeu”.
Três temas estão ali definidos como prioritários:
1 - A reforma do estatuto do dirigente desportivo em regime de voluntariado;
2 - O modelo de financiamento do desporto nacional;
3 - A orgânica do Instituto Português do Desporto e Juventude. O documento acrescenta outros pontos como a fiscalidade, o estatuto de utilidade pública, o tribunal arbitral, a integridade no desporto, etc. Todos pertinentes, mas fiquemo-nos agora pelos temas que Constantino elegeu como prioritários.
1 - Estatuto do dirigente. O modelo europeu de desporto assenta basicamente no trabalho voluntário de milhares de cidadãos dentro do sistema desportivo. Assim começou e, não obstante a crescente profissionalização de diversas modalidades e funções diretivas, será sempre inimaginável uma qualquer organização desportiva, da base ao topo, sem a presença, o trabalho e o contributo de milhares de homens e mulheres que diariamente carregam com dedicação e generosidade a bandeira dos seus clubes, das suas modalidades. E fazem-no voluntariamente, sem qualquer retribuição, numa missão de enorme relevância social a merecer do Estado o reconhecimento devido.
Os atletas e os seus treinadores são indubitavelmente os protagonistas primeiros no mundo do desporto. São os campeões que se sonham e celebram. Mas não é menos verdade que sem o serviço prestado pelos dirigentes nada pode acontecer. E os quadros dirigentes têm também de ser valorizados e promovidos, compensando o seu empenhamento voluntário e criando condições para que cada vez mais jovens se queiram comprometer nessas tarefas.
Reforçar o estatuto do dirigente benévolo não significa, porém, uma oposição ao dirigente profissional. Ambos são dignos do nosso reconhecimento e respeito e, sendo estruturantes de todo o sistema desportivo, ambos devem ter um enquadramento específico para o exercício das suas funções.
O dirigismo profissional carece de um estatuto ajustado ao seu exercício nos clubes e organizações privadas, ou nas organizações desportivas de cariz e interesse público.
São funções diferentes, mas ambas significam o assumir de grandes responsabilidades, até pessoais, no caso dos clubes em ambiente aberto e concorrencial, como na gestão prudente dos dinheiros públicos no caso de instituições de utilidade pública e, por isso, requerendo um enquadramento austero da sua remuneração, mas adequado à responsabilidade e exigência das suas funções. Uns e outros, voluntários e profissionais, são recursos humanos que o desporto não pode dispensar e que o Estado tem de compensar adequadamente pelo serviço público e social prestado.
2 - Modelo de financiamento do desporto nacional. A primeira evidência que o COP transmite na sua reflexão é a de que considera escasso o financiamento público ao desporto - inferior à média europeia - e reclama, portanto, um aumento substancial, desde logo por via orçamental, mas também com uma revisão do sistema de financiamento através dos Jogos Sociais e das Apostas Desportivas.
Historicamente, os meios financeiros que o Estado vem conferir ao sistema desportivo para o exercício da sua missão de promoção e desenvolvimento da sua prática são carreados pelo Instituto do Desporto e confiados às Federações Desportivas das diversas modalidades (cerca de 60 na atualidade). Provenientes, em diferentes percentagens, do Orçamento de Estado e dos Jogos, estes meios têm vindo a sofrer alterações quantitativas, nunca atingindo para a generalidade do sistema desportivo os montantes reclamados e ajustados a uma opção pública forte de investimento no setor.
Como ultrapassar este bloqueio? Como procurar soluções para um verdadeiro impulso de crescimento desportivo? Tem sido difícil e até inglório esperar do OE um reforço significativo das verbas destinadas ao desporto. E isto, diga-se com franqueza, tem sido relativamente semelhante em todos os Governos, de todos os partidos! Sem exceção!
Prossegue, por isso, o documento do COP com uma análise da componente dos Jogos para - verificando a estabilidade repetida das receitas dos chamados Jogos Sociais - avaliar em separado as receitas chegadas ao desporto desde 2015, provenientes dos novos Jogos Placard e das apostas desportivas online. E faz esta análise interrogando (eu diria até denunciando) o equilíbrio e a justiça das percentagens de distribuição existentes no diploma que criou tais jogos. Vai em seguida ao ponto de propor o ser “da maior pertinência que as entidades envolvidas e todas as partes interessadas sejam chamadas à mesa do debate com vista a alcançar uma solução legal a contento e que garanta a justiça e proporcionalidade”. Um movimento forte de reforço à justiça, equilíbrio e proporcionalidade no financiamento do sistema desportivo só pode ser motivo de aplauso.
3 - A orgânica do Instituto do Desporto e Juventude. Há cerca de 10 anos, o Desporto e a Juventude tinham os seus institutos em separado (IDP e IPJ), cada um com respetivo plano e orçamento, não obstante estarem sujeitos à mesma tutela. A fusão de ambos no IPDJ, decidida pelo XIX Governo sem que se justificassem ou percebessem motivos sérios e plausíveis, não agradou a nenhuma das áreas em causa, e veio criar um conjunto de sobreposições e de debilidades nos recursos humanos disponíveis que em nada capacitaram nem o desporto, nem a juventude num melhor cumprimento das suas missões, consagradas desde sempre como constitucional e legalmente separadas.
Como aponta o documento do COP, não faz sentido que “duas áreas com natureza e especificidades tão distintas estejam sob a tutela do mesmo organismo público”. E, quando isto escreveu, Constantino não sonhava que, para cúmulo da situação, a orgânica do novo Governo fosse estabelecer uma tutela diferente - uma Ministra da Juventude e um Ministro dos Assuntos Parlamentares que delega no seu Secretário de Estado do Desporto - a partilhar em regime de condomínio de facto um mesmo Instituto, o IPDJ. Um instituto único para duas áreas diferentes e agora até para dois Ministérios diferentes. Caso para dizer, particularmente na perspetiva do desporto: uma desgraça nunca vem só!
Esperemos que seja por pouco tempo que este condomínio se venha a manter. O desporto, e naturalmente a juventude também, agradecem. E esperemos também que estes lúcidos e penetrantes juízos, conselhos e exortações de José Manuel Constantino e do COP sejam levados a sério, e reconhecidos devidamente como os perduráveis e ainda proativos frutos que são do seu notável legado à frente dessa ilustre instituição desportiva.
E dito tudo isto, estou convicto de que pelo menos estas três prioridades que o COP propôs em janeiro deste ano, para adoção pelo Governo, vão ser de facto assumidas no próximo ano pela sua nova liderança. E com absoluta garantia de êxito junto do Governo da República. Convém não esquecer que o senhor Secretário de Estado do Desporto não apenas conhece como aprova estas propostas - é que ao tempo da sua apresentação era membro da Comissão Executiva do COP, e por isso… já as aprovou!"
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