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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Efab⚽lação (14)


"O prazer da azia

Do frango ao peru, passando pelo bacalhau, pelo polvo, pelo salmonete, pelo chouriço, pelo folar, pelos ovos moles, pelo pastel de Belém, pelas tripas à moda do Porto - o que não falta na crónica desportiva são alusões gastronómicas, quase sempre gostosas e remetendo para a boa disposição, tão digestiva quanto mental, de quem lia, solidariamente, sobre vitórias ou derrotas.
O bom nome das melhores casas de pasto futebolístico foi criado de boca a boca, em passa-palavra.
Todavia, sem nos darmos conta, os avanços da mania “gourmet” fizeram entrar no futebol falado condimentos de queimação mais difícil, pratos apimentados como fogareiros, servindo “à la carte” azias memoráveis nas mesas onde antes se degustavam opíparas receitas de bola.
O bitoque saxónico virou francesinha, mas a azia futebolística é uma ração exclusivamente portuguesa, introduzida por um antigo árbitro que reagia mal à segunda-feira pela exposição dos seus erros de domingo, tendo evoluído de defeito para feitio. Tornou-se prato do dia na baiúca do masterchef Conceição, o primeiro cozinheiro que se ufana de ter prazer em servir refeições intragáveis, cada semana mais ácidas do que na anterior:
“Quando ganhamos, criamos uma certa azia”.
Vejo, ouço e leio regularmente o futebol de outros países e estou convicto de que ainda não descobriram a “brôlure”, nem a “acidez”, nem o “heartburn”, nem o “sodbrennen”, talvez por faltarem por essa Europa fora a pimenta e o vinagre que estimulam os maus fígados de alguns protagonistas do nosso quotidiano paroquial. “Azia” - com quatro letrinhas apenas se resume, de A a Z, toda a boçalidade, destempero e azedume que caraterizam a bílis que ameaça, há pelo menos 40 anos, em fluxos e refluxos rotineiros, os princípios mais básicos da atividade desportiva, sem respeito pelos paladares diferenciados, nem pelos estômagos mais sensíveis. Em vez de “hoje servimos um banquete de futebol”, quanto muito um “tomem lá, que já almoçaram”, agora parece que só sentem prazer se a clientela cair para o lado a vomitar por intolerância ao ódio.
Deixou de haver derrotados, nem mais nem menos honrosos, apenas “aziados”. Ir ao futebol, apoiar um clube e sair insatisfeito pelo resultado não devia sobrepor-se ao prazer da experiência desportiva, apesar do indigesto “comer e calar” quando há razões para criticar os “chefes” pelas mistelas que servem.
Muitas experiências gastronómicas, pela má qualidade ou pelas doses mal servidas, podem gerar indisposições momentâneas, mas salvam-se sempre o convívio e a romaria.
Os mestres cozinheiros não perdem o seu tempo a preparar azias para os convidados, pelo contrário, queimam mãos e pestanas a engendrar menus de referência, embora nem sempre acertem e sejam vencidos pela concorrência. Assim, também os treinadores de futebol que se preocupam menos com o sabor dos seus pitéus e preparam os cardápios a pensar no maior grau de indisposição que consigam provocar aos comensais adversários dificilmente ganharão as ambicionadas estrelas dos Michelins da Queimada ou da Cofina. E não provam nem reprovam o caldo de acrimónia em que a sua imagem e credibilidade vão cozendo em lume brando."

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