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terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

E a Liberdade vinha a caminho

"Poucos jogos entre Sporting e Benfica terão sido tão intensos, tão marcantes, tão históricos como o de 31 de Março de 1974: 3-5 para os encarnados em Alvalade. A festa verde murchou. Não tardaria a surgir outra festa, espalhada a cravos.

'Liberdade que estais no céu'. Começava assim um poema do Torga, o Poeta da Montanha. A Liberdade vinha a caminho. Liberdade com maiúsculas.
E, os leões estavam presos.
Certamente um dos mais vibrantes Sporting - Benfica da história do futebol Alvalade, 31 de Março de 1974.
Os adeptos iam em romaria vestidos de verde-e-branco, cachecóis ao pescoço, bandeiras, gaitas e gatinhas, aquelas buzinas de ar que costumavam troar nas tardes dos grandes jogos. Ah! Não esquecer as almofadas...
Uma vitória do Sporting garantiria o título de campeão.
E o Sporting seria campeão. Mas não ai. Depois. Não aí, frente ao Benfica, revoltado, insubmisso, inquieto.
Havia um orgulho magoado no peito das águias. E um jogo acima de todos os outros: aquele!
Não havia Eusébio. Nem Jaime Graça. Nem Artur Jorge.
Havia os outros por eles. Ninguém dobrava a cerviz na jaula do leão. Como Hércules em Nemeia.
Cabrita poupara o Pantera Negra. Os joelhos cediam a olhos vistos. Mas não poupara nas palavras. Não se eximira ao grito. Não falhara na hora de enviar para o relvado um grupo de feras feridas.
O sonho iria continuar vivo. Era ténue. Mas era sonho.
Mais de 60 mil pessoas encheram o estádio. O presidente do conselho também lá estava: Marcelo Caetano. Seria ovacionado 24 dias antes de se ver enfiado às escondidas numa chaimite e de ser expulso do país no cúmulo do opróbrio.

Uma onda vermelha engoliu Alvalade
Damas mostrava-se nervoso. Imaginem só. Damas, o impassível Damas, meu querido amigo Charuto, nervoso? Ele que nunca levantava a voz e não era de brusquidões.
Ia dando um frango inicial. Manaca estava nas suas costas, protegeu-o e protegeu a baliza.
Yazalde, na resposta, fez 1-0 para o Sporting.
Uma explosão alacre de verde!
O vulcão fervia de optimismo.
Durou pouco: Humberto Coelho surge na grande área do adversário, solto, implacável: 1-1.
A batalha estava no auge.
De um lado e do outro, olhares atentos, músculos tensos, nervos esticados como cordas de violino.
Wagner e Marinho são presas fáceis de Vítor Martins e Toni.
Os movimentos desequilibram-se. Nené, com a cabeça, marca o segundo golo encarnado.
Uma nuvem negra vai pairando sobre a alegria verde.
Afinal, há quadro anos que o Benfica não perde em Alvalade. O Destino costuma cumprir as ordens desses deuses ditos menores que ordenam o movimento dos planetas. Jordão pela esquerda, cometa negro com raio de luz: Nené entende a intenção do companheiro, um toque apenas - 1-3.
E agora?
O Sporting estonteado. A sua defesa desnorteada.
Humberto e Marinho disputam uma bola. Raul Nazaré assinala penalty. Será? Não será? A doutrina divide-se da central até ao peão. Pouco importa a doutrina para Yazalde. Os leões voltam a rugir.
José Henriques aleija-se. Entra Bento.
Nené abre as asas e voa sobre Carlos Pereira. Voa de voar mesmo. Não se admirem. As águias fazem-no a toda a hora. Jordão também voa. Em direcção ao lugar onde tinha encontro combinado com a bola e com o golo.
Murcha o entusiasmo verde.
O leão preso no labirinto da sua própria confusão e a Liberdade ali à beirinha de entrar pelos portões enferrujados do país triste.
Vítor Martins faz 2-5.
Ninguém levanta a voz contra uma superioridade tão evidente, tão nítida, tão límpida como os olhos da Michelle Pfeiffer.
Mais um penalty contra o Benfica. Dé fecha o resultado.
Quem esteve lá nunca mais esquecerá.
Lisboa quase, quase em Abril.
'Liberdade que estais em mim
Santificado seja o vosso nome'."

Afonso de Melo, in O Benfica

2 comentários:

  1. Neste dia mais uma goleada no clube do regime. Nestas imagens viu-se mais uma vez quem era o clube do antigo regime.

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