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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

A goleada e a laje

"Faz parte da moda antibenfiquista desvalorizar e até depreciar tudo o que de bom a equipa do Benfica consegue

1. Ainda a vitória do Benfica sobre o Nacional por 10-0. Volto ao tema por várias razões, a primeira das quais é a de sublinhar  modo como o treinador e os jogadores do Benfica souberam ganhar, respeitando profissional e humanamente o adversário. E o modo como, nas bancadas da Luz, não se amesquinharam os vencidos, bem pelo contrário.
Há, ainda, outros motivos para falar deste jogo. Sobretudo a propósito do distúrbio que dez golos num só jogo de futebol podem provocar no segundo maior clube português: o 'Futebol Clube do anti-Benfica de Portugal'!
Comecemos pelo distúrbio mais prosaico e caricato: no sistema informático da Liga Portuguesa de Futebol Profissional as aplicações não haviam previsto dois dígitos nos resultados, ainda que um deles fosse o zero. Não deixa de ser estranho que havendo o acasalamento digital para tudo e mais alguma coisa (faltas, remates, foras-de-jogo e outras estatísticas de permeio), não existisse o mesmo para a essência do futebol que é o golo. Percebo a raridade de um desfecho destes, mas não compreendo a restrição de um mero pormenor do ponto de vista informático, qual seja o de não aceitar mais do que 9 golos. Por isso, foi ridículo que, após o encontro da Luz, o site da Liga tenha informado os seus utilizadores de que o Benfica tinha vencido apenas por 1-0 e não por 10. Coisa de somenos para uma Liga tão escrupulosa e para uma Directora Executiva tão imparcial.
Mas o que mais me impressionou foi a pletora de comentários e de comentadores aziados nos dias que se seguiram. Peroraram à volta da 'ética de (não) golear' (!), com assomos de verdadeiros tratados sobre a moral do resultado que não pode colidir com o moral das equipas. Ouvi e li argumentos à volta de tudo ser sido imoral por falta de respeito pelo outro contendor. Que se devia parar de marcar, ainda que ninguém se atrevesse a sugerir ao delegado do Benfica que pedisse ao árbitro para acabar o jogo aos cinco. Que não foi o Benfica que jogou assim tão bem, foi o Nacional que jogou mal. Que não se percebe como o Nacional marcou golos em Alvalade e no Dragão e tenha jogado assim na Luz. E muitas outras coisas ditas como, por exemplo, 'houve coisa esquisitas' (sic), no habitual desbragado comentarismo na praça de programas burlescos que se espalham como cogumelos infestantes.
O anti-Benfica bolsou como pôde e espumou como sabe. O vocábulo alemão 'schadenfreude' (palavra intraduzivel que exprime ou sentimento de alegria ou satisfação perante o dano ou infortúnio de terceiros) e que tanto seduz o futebol português na rivalidade entre os grandes, mudou desta vez para uma espécie do seu contrário. Não tendo havido o gozo do desaire do Benfica, houve, outrassim, a azia da goleada do Benfica. Talvez até haja uma outra palavra em alemão para este 'schadenfreude elevado a menos um'... Quando aconteceu o Benfica já ter sido goleado (sim, acontece a todos) terão aplaudido freneticamente e pedido mais golos, mesmo contra equipas estrangeiras. Aí a lógica da 'imoralidade da goleada' virou 'justicialismo da goleada'. Se o Porto marca 7 ao mesmo Nacional, que mal há? Se o Sporting consegue uma rara goleada de 5 golos, que maravilha! Aliás, o conceito de goleada é cada vez mais somítico: ganhar por 3 passou a sê-lo e já estivemos mais longe de uma goleada por 2-0.
Onde estavam estes teorizadores dos 'limites para as goleadas por respeito ao adversário' quando a selecção nacional goleou o Liechtenstein por 8-0 e por duas vezes? E por que não terá parado a Alemanha de marcar golos no Mundial do Brasil e chegou aos 7-1? E o que terão dito os adeptos do Liverpool recriminando o rival Manchester City por ter dado 6 ao Chelsea? Etc., etc.
Desta vez, porém, nenhum clube se atreveu a apresentar queixa junto da Liga, Federação, UEFA ou FIFA. Valha-nos isso, agora que as há, em profusão, por tudo e por nada. Num creio que se possa imputar a qualquer grupo ou desorganizados por claque, um resultado de 10-0, absolutamente imprevisível.
Não deixam de ser igualmente curiosas as várias teses doutrinárias vertidas a propósito do 10-0 sobre a invocada falta de competitividade do futebol português, embora nada tenha ouvido aos respectivos autores sobre o disparate de haver 18 clubes na primeira divisão. Eis que, de repente, tudo se tornou claro. Nem é preciso demonstrar esse fosse entre clubes, agora por força do Benfica - Nacional, transformado em absoluto postulado. Antes, havia quem, timidamente, esboçasse essa ideia, mas alguns resultados desnivelados do Porto e do Sporting (estes bem mais raros) eram apenas a consequência de exibições tremendas e não de desníveis preocupantes. Gostaria de saber qual a bitola moral (e científica) para dizer a partir de quantos golos uma goleada é eticamente desadequada e se tal limite é universal, nacional, paroquial ou clubista.
Aliás, faz parte da moda anti-benfiquista desvalorizar e até depreciar tudo o que se bom a equipa do Benfica consegue. Nestes últimos tempos, diz-se sem pestanejar que uma vitória, seja ela qual for, é mais o efeito de uma exibição negativa do adversário do que de mérito encarnado. Que as outras equipas se 'esfolam' contra a equipa deles, mas se 'retraem' contra o Benfica. Que a relva é mais cuidada quando o Benfica joga fora e, talvez um dia, venham a dizer que o boletim meteorológico está mancomunado com a direcção encarnada. Que um qualquer jogador que antes passou pelo Benfica 'facilitou' um penalti ou uma escorregadela na relva. Que, blá, blá, blá.
Em suma: o problema não esteve na goleada. Esteve em ter sido ultrapassado a 'barreira do som' (dois dígitos) e ter sido obra do Benfica. E, no subconsciente, também morou a memória recente dos últimos tempos do Benfica (4 ao Rio Ave, 4 ao Sporting, 5 ao Boavista, 10 ao Nacional e até 6 ao Sp. de Braga). Tudo o resto é verborreia barata, invejosa e hipócrita de um moralismo falso e inconsequente.
Há, ainda, um pormenor que não pode ser ignorado. Refiro-me ao critério de desempate para apurar o campeão nacional, quando há igualdade pontual e igualdade total aos jogos entre as equipas em causa: a diferença entre golos marcados e sofridos, a que erroneamente se continua a chamar 'goal average'. Não que seja muito provável que venha a haver necessidade de avocar esse critério, mas nunca se sabe se um golo pode fazer, no fim, toda a diferença... Aliás, basta recordar que, na já distante época de 1977/78 de que tão bem me lembro, o Benfica (que não teve nenhuma derrota) perdeu o campeonato para o Porto (que assim quebrou um ciclo de 19 anos sem vencer o campeonato) por... diferença de golos. Curiosamente se os critérios de desempate fossem os de hoje, o Benfica teria sido campeão, pois aplicar-se-ia o segundo factor de desempate, o dois jogos entre si (na Luz 0-0, nas Antas 1-1).

2. Bruno Lage continua a surpreender-me muito positivamente. De um bom senso que pede meças a qualquer mestre do treino, dotado de uma perspicácia que sabe moldar em consonância com a bravura de arriscar, não se deixando envolver na efemeridade inerente ao futebol seja nos melhores ou piores momentos, o jovem técnico tem sabido potenciar a equipa de um modo inovador, tranquilo, meticuloso, consistente.
Em Istambul, arriscou muito é certo, mas não se tratou de uma atitude destemperada e muito menos precipitada. Foi feliz, mas soube fazer por sê-lo. Também aqui alguns opinadores falaram de um Galatasaray mais fraquinho e de um futebol turco em depressão. Mas quando o mesmo clube calhou ao Porto na fase de grupos, eis um difícil adversário, ponto final. Sobre a equipa que jogou já tudo se disse. Da sua irreverência juventude, da maioria com formação no clube, de um capitão com 21 anos, da oportunidade que a todos é dada (ainda que aqui não perceba a não utilização de Zivkovic). Por isso, me limito agora a referir quão apreciei uma equipa que, quase contemporaneamente, tendo sido o Benfica A, já quase foi o Benfica B e, em parte, lá estava o Youth Benfica. Não sei até se não estará na forja uma qualquer queixa à UEFA pelo facto de o Benfica ter desconsiderado o Galatasaray jogando com a formação que actuou na Turquia. O certo é que este foi o melhor mercado de Inverno no seu clube! Saíram uns monos, não entrou ninguém, e houve meia-dúzia de reforços do outro lado do Tejo. E isto diz tudo sobre uma política e sobre uma estratégia.
Em Vila das Aves uma vitória assegurada com bons momentos. Mais 3 golos e já lá vão 60 no total. Estou na (boa) expectativa de que defesa-central vai agora inventar Bruno Lage no próximo jogo.
Mas atenção a um perigo que, no futebol de agora, feito de superlativo mediáticos, importa acautelar. Nada de endeusamentos. Nada de quimeras. Nada de exageros. Nada de soberba. Nada de cabeça estouvadas. Tudo de humildade. Tudo de trabalho. Tudo de pés assentes no chão. Tudo de autenticidade. Tudo de respeito pelos adversários. Com a equipa e Bruno Lage com pés bem assentes na laje (assim se escreve) do realismo."

Bagão Félix, in A Bola

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