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sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O espectáculo - a variável esquecida (III)

"A constituição do fenómeno desportivo, na sua origem, residiu no ócio, no lazer. A sua demanda pelo associativismo, até chegar ao profissionalismo, provocou o negócio. E o negócio não funciona sem o espectáculo. A evolução das diferentes modalidades desportivas e do sistema desportivo, a emergência de novos modelos, a entronização dos heróis e as suas sucessivas hierarquias, assim como a sucessão rápida de eventos desportivos e a criação de outros novos, devem fazer-nos reflectir sobre um desporto onde cada vez mais há esse espectáculo e cada vez menos formação, mais negócio e menos jogo, mais elitismo e menos participação.
Paul Yonnet (1) realça a necessidade fundamental para o desporto-espectáculo de duas componentes – a incerteza e a identificação. Duas componentes que não estão presentes no espectáculo cultural. E, contrariamente a algumas posições aqui apresentadas no artigo anterior, diz-nos que “a violência das identificações no desporto-espectáculo não é catártica, é aditiva.”
Sendo a competição uma das características fundamentais do desporto-espectáculo, Paul Yonnet (2) já nos tinha alertado anteriormente para a existência de dois tipos de competição no momento dos grandes eventos desportivos: a primeira, uma competição mensurável, regulamentada, e que é o objecto de um resultado técnico visível e de prémios e recompensas; a segunda, uma competição não regulamentada em que o objectivo é o reconhecimento público. Entra-se assim na ordem dos afectos: “ser conhecido não é o suficiente, é preciso ser amado, admirado, profundamente, colectivamente.” Mas que não se pense que este segundo tipo de competição é gratuito pois estão-lhe associados os contratos financeiros, os direitos de imagem, a publicidade.
Uma questão é fundamental: para que serve o desporto-espectáculo? O leigo responder-nos-á: para nos entretermos e nos divertirmos (ócio). Um especialista responder-nos-á: para vender produtos (negócio). Ora, teremos de estar cientes de que o entretenimento não produz conhecimento como refere Byung-Chul Han (3) e de que o negócio não gera nem bens nem obras, não cria riqueza, apenas a movimenta em determinados sentidos.
O desporto actual já não é o «deportatre» latino e nele estão presentes as situações mais exemplares mas também as mais ignóbeis, as mais perversas. Preocupante é o facto de nele a vitória e a acumulação de riqueza terem talvez actualmente o mais importante papel. Preocupante é já não ser tanto o «interessa participar»..."

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